Autor fala como a imprensa funcionou como instrumento da ocupação
Para Carlos Magalhães, a mídia, na sua maioria, aceitou a política de censura imposta pelo Governo dos Estados Unidos. A imagem que predominou nos noticiários da invasão foi a de ode ao militarismo, construída também pela maioria dos filmes Hollywoodianos.Versão um, a oficial, publicada nos grandes veículos de mídia: “Uma companhia dos Marine Reserve que era conhecida como 'Lucky Lima' antes de sofrer pesadas baixas no mês de maio foi atingida quarta-feira pela mais mortal armadilha de estrada da guerra do Iraque, uma explosão maciça que matou 14 Marines e o iraquiano intérprete da unidade, segundo testemunhas e porta-vozes militares”, no Washington Post, “14 Marines Die in Huge Explosion in Western Iraq”, de 4 de agosto de 2005. Versão dois, a não oficial, publicada no blog “Free Iraq”, de Imad Khadduri, com fontes iraquianas: no dia 4 de agosto, 14 marines das forças de ocupação dos Estados Unidos travaram uma batalha contra as forças de resistência à invasão. Três deles morreram em batalha. Os outros onze foram capturados. Um deles, então ferido, foi libertado para que voltasse ao seu comando e levasse a seguinte mensagem: os combatentes estavam prontos a negociar a libertação dos estadunidenses se estes estivessem dispostos a libertar os idosos, a garota de Haditha (cidade no centro-oeste do país) e alguns homens que haviam tomado como reféns dias antes. O comando não aceitou negociar e atacou com helicópteros e canhões. A resistência, então, como retaliação, matou os soldados da ocupação e depois jogou os corpos no rio. A prática de matar e jogar no rio, ainda segundo o texto de Khadduri, é usada largamente pelo exército de ocupação. O desencontro de informações e a aceitação pela imprensa dos Estados Unidos da versão menos embaraçosa é um dos pontos analisados pelo jornalista Carlos Eduardo Magalhães em seu livro “Invasão no Iraque: Manipulação, Censura e Mentiras”, lançado no último dia 16 de agosto no restaurante Soteropolitano. Para ele, a imprensa estadunidense “ao aceitar esse tipo de informação sem verificar, investigar, ela agiu mais como uma agência de propaganda do que como imprensa. Pegou as informações, os releases, tudo que o governo e a inteligência americana falavam, publicou e martelou na cabeça da sociedade”. No caso específico dos marines de 4 de agosto, a versão oficial interessa ao governo dos Estados Unidos, já que não deixa passar a imagem dos soldados capturados. FILME OU REALIDADE? – Carlos é fã de cinema e em seu livro faz constantes referências a filmes quando faz a análise da ocupação. Sob um ponto de vista geral, o próprio livro é a crítica à construção de uma realidade pela imprensa. “EUA é um país muito militarizado. Um país de características expansionistas num primeiro momento, depois imperialista, ele teve que criar uma áurea especial a respeito do militarismo. O ser um soldado é uma coisa muito séria naquele país”. Para Carlos, a indústria do entretenimento do país reforça essa realidade. “Você pega todos os filmes americanos sobre guerra, eles enaltecem e vangloriam os feitos militares (...) Se você ver filmes de guerra sérios, como o “Apocalipse Now”, e o “Glória feita de sangue”, existe uma crítica a esse militarismo. Mas a maioria é pró-guerra”. Parte da construção dessa realidade passou pela censura do governo aos veículos. “O governo chegou para os veículos de informação e falou ‘vocês só vão divulgar aquilo que nos permitirmos’”. Desse modo, todas as grandes cadeiras de informação retratavam o ponto de vista do invasor. Para Carlos, essa seria a única visão da guerra caso não houvesse a AlJazeera, ponto de vista do invadido. NO BRASIL –As informações sobre a guerra chegam ao país sem filtro. Para Carlos, de maneira geral, a imprensa mundial é pautada pela imprensa das potências. E isso se reflete no noticiário. “Você vê os jornais no Brasil, aí depois fiquei vendo as agências internacionais dos EUA e da Europa, ou jornais americanos, ou franceses, ou da Espanha, não há muita alternativa. Mas se você abrir a internet, vai ver que existe um mundo diferente de informações, um mundo fantástico. Mas ninguém da imprensa vê disso”. Outro problema é que os jornais brasileiros seguem o modelo dos Estados Unidos. “São jornais com notícias mais curtas, mais rápidas. Não tem mais grandes reportagens, grandes investigações. Tudo é muito superficial”, diz o autor de “Invasão no Iraque”.