Um encontro de idiomas faz ponte para o diálogo de culturas
Festa literária de Paraty, que reuniu 12 mil pessoas e escritores de 11 países, foi palco de encontro de idiomas como ponte para o multiculturalismo e o diálogopor Lelia Romero As tranças de Rapunzel se estendiam de uma das janelas da matriz e na praça, o príncipe de joelhos, olhava para ela. Uma história para as crianças? Pode ser, mas desta vez se tratava de dois dos imensos bonecos coloridos que adornaram as ruas de Paraty, durante a terceira edição da “Flip, Festa Literária Internacional de Paraty”. De 6 a 10 de julho milhares de tênis e botas, de diversas partes do mundo, caminharam sobre as pedras pé-de-moleque em Paraty, na direção da ponte que cruza o rio Perequê Açu, para alcançar a Tenda dos Autores, onde se realizaram as 20 mesas programadas. Paraty recebeu por volta de 12 mil turistas, e esta edição cresceu tanto, que houve controle na entrada de convidados e de países participantes (11 desta vez). As 290 pousadas do centro estavam lotadas. A festa começou com uma homenagem à escritora Clarice Lispector e um show de Paulinho da Viola. Nos dias que se seguiram, os 35 escritores convidados se misturavam aos nossos passos no centro histórico. Salman Rusdhie, antes perseguido pela fatwa, não precisa mais se esconder. Seu último livro, “Shalimar, o equilibrista”, teve lançamento mundial em Paraty e podíamos vê-lo no bar do Café Cultural, como também a Michael Ondaatje, autor de “O paciente inglês”. O catalão Enrique Vila-Matas, os portugueses Miguel Sousa Tavares e Gonçalo Tavares, a argentina Beatriz Sarlo, se misturaram com os brasileiros Ronaldo Correia de Brito, Roberto Schwarz, Marina Colassanti e tantos outros autores conhecidos ou não, caso do baiano estreante João Filho, balconista desempregado, autor de “Encarniçado”, e do rapper carioca MV Bill, autor de “Joelho de Porco”, seu primeiro livro. A inglesa Janette Winterson criticou o atentado em Londres e a falta de planejamnto ambiental da Petrobrás em Paraty. Arnaldo Jabor foi vaiado ao defender FHC e aplaudido quando atacou o governo. Ariano Suassuna recitou Camões "o amor é fogo que arde sem doer..." e defendeu Don Quixote. Mamede Jarouche, tradutor do “Livro das Mil e Uma Noites”, deu uma entrevista no Café Cultural. As histórias, os temas picantes e preconceitos pontuaram a conversa informal, marca do espírito de festa literária de Paraty. Alberto Mussa, autor de “O enigma de Qaf”, dividiu mesa com o turco Ohran Pamuk e terminou sua participação, ressaltando a influência da cultura árabe em outras culturas ao acreditar que não há separação entre oriente e ocidente. Os moradores da terra não estiveram de fora, e muitos se envolveram nas atividades para crianças na “Flipinha”, com a participação de 300 professores em 30 escolas. Liz Calder, a editora inglesa idealizadora e presidente da Flip, está satisfeita com a terceira edição e já pensa na próxima, inclusive em estender os dias de duração da festa literária. Durante os 5 dias em Paraty, ouvi leituras e falas em vários idiomas inclusive em hebraico, árabe e turco e espero que esse encontro de misturas seja mais frequente, e que as pontes traçadas, disseminadas e alimentadas pela Flip, caminhem na direção da multiculturalidade e do diálogo. Quem sabe, na próxima edição, Rapunzel se canse de esperar o príncipe e dê boas risadas com Saci Pererê e Sancho Panza.