A capa e a espada*
Ibn-Hazm, parcimonioso da história,
e Ibn-Abd-Rabbihi, da oratória,
ambos trataram o amor
com zelos de fêmea caprichosa.
Um o revestiu de colar precioso,
o outro lhe apôs da pomba
furtivo o colar gracioso.
Pobre rima a minha;
a deles, rica nos torneios.
De colar a outro, a de Alandalus
furtou-se à do Leste poesia
recamando-a em honrarias:
plurimultifacetados ambos,
costuraram túnica barroca
em alinhavados brocados de ouro.
Outros ibns de outros itens
lustrariam salões híbridos
de abrasado refinamento,
como o tal Ibn-Quzmân
de quem se sabe de romãs
vivia: dizendo que o feitor
lhas trazia à mesa posta.
Vizir vivendo à custa
de migalhas trocadas
por honrarias suadas em zejéis
enviesados de gazéis
panegirizados.
Que outra amostra de reféns
pôde a história prover
por melindres tão tortuosos?
Ibn-Ammar perdeu os miolos
por aliciar, sedicioso,
de Almutamid o imberbe ibn.
governador antes, a cara ornada,
reconduzido em burro de carga
foi o amado recalcitrante.
Restou-lhe a espada
que o rei deitou-lhe sob a cara
limada, antes, no colar caro
que a poesia enfeitara
em horas de entretenimento:
caprichos de Alandalus
em cenas de capa e espada.
*(poema do livro inédito Niúla, publicado originalmente no dia 28 de outubro de 2005, na edição nº22 da newsletter do Icarabe)