A Causa Nacional Palestina... (7 de 7)
Expressões e conceitos dentro do conflito
Além de considerar o viés geopolítico e militar da história política e social recente do Oriente Médio, devemos também analisar algumas expressões e conceitos que, sobretudo graças aos veículos da mídia, ultimamente se tornaram quase numa nova linguagem que é usada mais para confundir e encobrir...Além de considerar o viés geopolítico e militar da história política e social recente do Oriente Médio, devemos também analisar algumas expressões e conceitos que, sobretudo graças aos veículos da mídia, ultimamente se tornaram quase numa nova linguagem que é usada mais para confundir e encobrir do que para explicar a história política recente do Islã e do Oriente Médio. Assim, termos como “choque de civilizações” ou “Ocidente x Islã”; “jihad” e “guerra santa”; “fascismo islâmico”; e “guerra contra o terrorismo” são, na maioria das vezes, manipulados para simplificar e justificar determinados projetos políticos e fins econômicos de dominação e exploração imperialista e neoliberal naquela região. Em suma, o abuso desses estereótipos ocorre sob premissas que são falsas basicamente porque: - As relações políticas e econômicas de interesse nacional existiram, tanto na Guerra Fria como após o seu fim, entre o chamado “Ocidente” e os países árabes, islâmicos ou do Oriente Médio, mesmo quando, às vezes, suas agendas político-ideológicas fossem opostas e inimigas; - Houve, no passado, assim como hoje também existem, conflitos internos e inerentes aos próprios Estados, agentes sociais ou interesses privados considerados como “árabes” ou “muçulmanos”; - O “Islã”, se fosse possível considerá-lo como uma “coalizão de estados islâmicos” (e não é possível), não representava, no imediato pós-Guerra Fria (e hoje também não), uma ameaça militar ou econômica ao “Ocidente”. A al-Qaeda e outros grupos possuem relativa força, mas não constituem uma ameaça estratégica e avassaladora. O relativo poder de Bin-Laden não está tanto nas ações de sua organização, como está no significado, às vezes simbólico e retórico, de seu discurso militante e apelativo; - A idéia de que o “Islã” surge como um inimigo em substituição pela perda de outro adversário externo, o comunismo, é superficial, pois foi durante a própria Guerra Fria que o Ocidente apoiou e armou o chamado “islã político” (mais conhecido por “fundamentalismo muçulmano”) conservador contra a URSS e o socialismo árabe remanescente, como foi o caso da criação, no Paquistão, da milícia islamista sunita do Talibã pela CIA e pelo exército paquistanês, com o apoio da Arábia Saudita, para lutar, no Afeganistão, contra a invasão soviética, inclusive com a participação de Osama Bin Laden. As origens e os principais objetivos do também chamado “Islamismo político” são intrínsecos às suas próprias sociedades e países. Mais além de seus alvos globais, os grupos terroristas do pós-Guerra Fria buscam tomar o poder nas suas formações sociais, isto é, nos Estados do Oriente Médio e nas nações de maioria populacional muçulmana (árabes ou não), e que adquirem, como já dizíamos, um especial alcance internacional, na medida em que alguns desses regimes são vistos como apoiados e financiados pelo Ocidente e pelos EUA, ou são considerados seus aliados em relação a determinada questão política. Os primeiros alvos dos “fundamentalistas islâmicos” foram, na verdade, as forças seculares (de direita e de esquerda) em seus países como, por exemplo, a Frente de Libertação Nacional (FLN) na Argélia, o Partido Socialista no Iêmen e o Partido Democrático do Povo no Afeganistão. Assim, é justamente contra essa possibilidade de revolução contra o status quo político e econômico que os Estados ameaçados por tais grupos utilizam, como uma estratégia e uma justificativa oportunas, a idéia do “terrorismo”, a fim de esmagarem essas insurreições e revoltas internas de oposição, tática que, por sinal, tem sido muito bem usada pelos EUA no exterior. Em termos de política internacional, o que Bin Laden e a al-Qaeda querem é a retirada das tropas ocidentais do Oriente Médio e dos chamados “locais sagrados do Islã”, ou seja, a Arábia Saudita, o golfo Pérsico, o Iraque, o Afeganistão, bem como uma solução definitiva para a tragédia palestina. Em relação à economia, os grupos islamistas não desejam a imposição do modelo neoliberal e globalizante do livre mercado na região. Como podemos perceber, todas essas são agendas que a maioria das populações árabes, muçulmanas e do Oriente Médio aspiram ver realizadas, mas cujos governantes e líderes políticos não costumam reivindicar em público. De acordo com Robert Fisk, jornalista britânico radicado há mais de trinta anos no Líbano, o mais irônico de tudo isso é o fato de Bin Laden ter de fazê-lo escondido numa caverna nas montanhas do Afeganistão. Mas, o mais triste, certamente é o fato de um sujeito como Bin Laden e de organizações como a al-Qaeda proclamarem-se os defensores de questões tidas como altamente legítimas pelas opiniões públicas árabes e islâmicas, e, ademais, que suas manifestações ressoem mais alto do que quaisquer outras na mídia. Isso se deve, principalmente, a todo um processo de aniquilamento (interno e externo) das forças e dos movimentos progressistas (representados, sobretudo, no socialismo árabe e no comunismo) que, nas últimas décadas da Guerra Fria, tiveram suas lideranças e militância perseguidas, torturadas, expulsas ou dizimadas, tanto por setores da direita conservadora e (neo)liberal ocidental quanto por grupos islâmicos “fundamentalistas”, que, em várias ocasiões, apoiaram-se mutuamente para perpetrar essas práticas de eliminação, fenômeno que está diretamente relacionado à atual falta de perspectivas reais de projetos políticos e sociais alternativos que possam ser alçados ao poder na maioria dos Estados do Oriente Médio.