Líbano: décimo adiamento e vozes da razão
Pela décima vez em três meses o Líbano não consegue reunir o seu colégio eleitoral, constituído por seu Parlamento, para eleger um Presidente da República, devido à incapacidade das facções políticas rivais de chegarem a um entendimento a respeito de assuntos pendentes; cada qual culpa o outro pelo fracasso e o país está sem presidente desde o dia 23 de novembro de 2007, quando expirou o mandato de Emile Lahoud.
Para entendermos como as coisas se passam no Líbano, escolhamos aleatoriamente uma confissão dentro de uma religião: a maronita, por exemplo; mas poderia ser qualquer outra.
O chefe da União pelo Líbano, Massoud Ashkar, declarou que o Líbano está indo continuadamente sob um vácuo de poder “durante 18 anos e não desde o fim do termo do [ex-presidente Émile] Lahoud em 23 de novembro [pois] o Líbano sofre de um vácuo de poder desde quando a Síria pôs os pés neste país” esquecendo ele que os sírios foram chamados precisamente pelos partidos políticos maronitas para apoiá-los na guerra civil e, ao mesmo tempo, estavam eles, os mesmos partidos políticos, assinando acordos secretos com Israel, o real inimigo do país, o que levou a Síria a deixar de sustentá-los e a exercer um poder de polícia que contribuiria grandemente para se chegar a um entendimento e terminar a carnificina entre confissões, por trás de partidos políticos.
Enquanto isto, o ministro das telecomunicações, Marwan Hamadeh, declarava um dia antes, que o Primeiro-Ministro Fouad Siniora deveria indicar um sucessor maronita para ocupar a cadeira vaga do assassinado Ministro Pierre Gemaeyl, caso a eleição presidencial não se realizasse no sábado devido “à persistência do presidente sírio Bashar Assad em manter o Líbano refém das crises regionais”. Esquece sua excelência que o governo ao qual pertence, presidido por Siniora é um governo ilegítimo, pois não atende ao Acordo de Taef e à Constituição, mas, assim mesmo, uma vaga tem que ser preenchida. Como se o Líbano fosse uma ilha isolada do mundo, não enfrentasse grandes e pequenos problemas gerados pelas próprias crises regionais; como se a Síria estivesse em outro planeta e não sofresse dos mesmos males que atormentam o próprio Líbano. Hamadeh não se dá ao trabalho de ouvir ou ler notícias tais como aquela publicada no mesmo dia sob o título: Bomba de fragmentação mata pai de três dando conta da explosão de uma do milhão de bombas deixadas por Israel em sua aventura do último verão, tentando invadir o Líbano. O tal pai era xiita, então que se dane! Como não foi a Síria, foi Israel, pode!
Mas porque esta gente não ouve a voz da razão, não tira suas conclusões da mensagem do Patriarca Maronita Nasrallah Butros Sfeir, chamando a todos para que abandonem o ódio, a discórdia e aquilo que descreveu como “exploração barata” e “interesses mesquinhos” para finalmente concluir: “Podemos destruir o nosso país por causa de conflitos e discórdias entre nós”. Mas os senhores acima citados estão caracterizados dentro daquilo que sua eminência reverendíssima qualifica como “alguns ministros falham no cumprimento de seus deveres, limitando-se a fazer aquilo de que gostam”.
Naquele mesmo dia, o mais graduado clérigo xiita, Sayyed Mohammad Hussein Fadlallah dizia em seu discurso de sexta-feira que o problema do Líbano é que “as decisões políticas são tomadas fora de Beirute” e mais: “dizer que as decisões devem ser tomadas pelos libaneses sem interferência estrangeira é piada tola [pois] o processo decisório [no Líbano] está ligado a conflitos internacionais e regionais”.
De fato, quem ouviu as declarações de George W. Bush e de seu novo moleque de recados, o presidente francês Nicolas Sarkozy, não tem dúvidas que estes senhores, interferem no Líbano como se sua casa fosse, tomando como exemplo aquele cidadão que colocava lixo na porta dos outros e ainda se achava com direito de reclamar da sujeira.
Desde o primeiro adiamento da eleição presidencial até a esta décima, o Líbano tem demonstrado, como sempre foi, ser altamente desenvolvido culturalmente e infinitamente subdesenvolvido politicamente.
Os políticos libaneses, com suas lealdades fanáticas e tribais, em vez de nacionais e racionais, poderão levar o país do cedro, tal como o conhecemos, a sumir da geografia e da história.
Se fanáticos e tribais são, pelo menos que ouçam os seus clérigos; eles terão mais uma chance durante a semana!