Poesia e paz no Oriente Médio
Em dezembro passado, na Casa das Rosas, aconteceu a “Noite da Poesia do Oriente Médio”, da qual tive a honra de participar. Para este encontro foram selecionadas, entre as muitas culturas e etnias da região, as culturas árabe, judaica e persa, com apresentação de poemas e poetas de épocas diversas, divididos em dois blocos: clássico e contemporâneo. Acordes de uma música iraniana moderna acolhiam o público que lotou o hall principal. Momentos de emoção singular: um fragmento do Cântico dos Cânticos “cantado” em hebraico e duas Galáxias de Haroldo de Campos em português, árabe e hebraico, entre outros.
Durante as conversas na organização da “Noite”, foi sugerido aproveitar a oportunidade para celebrar a paz. Encarregada de escrever o texto de abertura do sarau, me vi um pouco perdida para elaborar algo curto e conciso sobre poesia e paz no Oriente Médio. Pontos de interrogação se desenharam na minha tela criativa mas rapidamente, tomada por minhas fontes fiéis _ poesia e história_ o conteúdo se apresentou. Afinal não é preciso de argumentos para se falar de paz. É sentar e fazer, antes que os preconceitos, modeladores de corações e mentes, enferrujem as lembranças poéticas, os erros e trunfos históricos. Lembremo-nos das trocas artísticas e da poesia que permanece. Longe dos interesses contemporâneos que transformaram o Oriente Médio numa região de discórdia em plena potência, recordemos as grandes civilizações que cresceram naquelas terras: egípcia, babilônica, persa, assíria, fenícia, mesopotâmica, entre tantas. No raio do Crescente Fértil – a passagem para a Índia, caminho do Mediterrâneo, entrada de grandes invasões, cruzamento de cameleiros e caravanas, ponto de intercâmbio, dos rastros de tapetes mágicos –, a região já era berço de expressiva produção poética. Do segundo milênio a.C., a Epopeia de Gilgamesh nos chega como o mais belo poema épico antes de Homero. Torneios de poesia lotavam praças e mercados e suspendiam, temporariamente, as guerras tribais na Península Arábica. A paz durava enquanto havia poesia.
O Oriente Médio passa a ser tratado de fora para dentro, antes mesmo da formação arbitrária dos estados modernos no século XX. Esse olhar se recrudesce com a deformação nas relações entre culturas e países, advindas do poder adquirido por duas riquezas subterrâneas: água e petróleo. A poesia contemporânea aproveita os temas e engendra outra teia de contatos e impermanências. Muitas vozes ecoam e estamos aqui para celebrar a poesia cotidiana e real. Lembremos ainda que o olhar de fora para dentro deforma o real e alimenta o idealismo que impõe, formata e pede fronteiras. A convivência pacifica, alarga os limites, tende a construir pontes, e assim como a poesia edifica, a paz é uma postura cotidiana, é desfronteira, é real.
É desnecessário forjar circunstâncias para se falar de paz e de poesia. Somos pela letra poética de cada dia, mensagem subliminar da “Noite da Poesia do Oriente Médio”, assim como foi o “Festival Literário da Palestina”, em 2009. Festival literário na Palestina ocupada? Parece estranho, mas se falamos sobre paz, lembremos que ali as pessoas não têm o direito de ir e vir por causa dos postos militares israelenses. Por isso os organizadores transformaram o evento em festival itinerante, para que a população da Cisjordânia tivesse a oportunidade de viver essa experiência e pudesse seguir o rastro da poesia. O Festival foi de Jerusalém à Ramallah, e à Jenin, Hebron e voltou para Jerusalém, sem tranqüilidade infelizmente, mas acompanhado pelo interesse e entusiasmo da gente local.
Assim são os caminhos da poesia, que de alguma forma _festiva, silenciosa, delicada_ se tecem, se apresentam, se modificam e permanecem porque soprados para outros cantos, germinam. Caros amantes da palavra poética e do desenrolar da história humana, lembremo-nos, mais que tudo neste momento, que ontem ou hoje, não há muros para a poesia, seja na Casa das Rosas ou na Palestina.