Brasil oferece bolsas para estudar no Líbano

Sex, 19/02/2010 - 09:54
Poucos sabem mas o governo brasileiro, por meio do Ministério da Educação (MEC), da Capes e CNPq, oferece bolsas de graduação e de pós-graduação para quem deseja estudar no Líbano e vice-versa. Conforme explica Paulo Jorge Sarkis, ex-reitor da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e pioneiro nas relações de intercâmbio acadêmico entre os dois países, o Brasil tem uma boa estrutura de fomento que contempla a pesquisa conjunta, a recepção de estudantes libaneses (que são isentos do vestibular) e o apoio a estudantes brasileiros no exterior. “A única coisa que está faltando é a divulgação mais ampla destas informações”, garante ele.

Aos libaneses que desejarem estudar graduação e pós-graduação no Brasil, o MEC e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) oferecem, respectivamente, as bolsas PEC-G (Programa Estudante Convênio - Graduação) e PEC-PG (Programa Estudante Convênio - Pós Graduação). Já os brasileiros interessados em cursos de doutorado e pós-doutorado podem apresentar solicitação junto à Capes e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Do lado libanês Sarkis conta que ainda faltam mecanismos oficiais para recepção de estudantes por meio de convênio. “Lá não existem iniciativas semelhantes. A realidade é muito diferente. Os estudantes estrangeiros no Líbano são custeados pelos seus países de origem ou seus familiares, incluindo as despesas com matrículas e mensalidades”, diz.

Apesar da existência dos programas, a demanda formal continua baixa. Isso porque para se candidatarem os libaneses devem conhecer o idioma brasileiro. Para tentar superar o problema, recentemente foram criados cursos de língua portuguesa no Líbano. Para os estudantes brasileiros a dificuldade é menor. Isso porque as principais universidades libanesas têm seus cursos ministrados em francês ou inglês, que são idiomas correntes no meio científico.

Outra dificuldade para que os programas PEC sejam utilizados é a divulgação com informações antecipadas sobre prazos de inscrição. “Só para se ter uma ideia, o Jornal L'Orient le Jour, de Beirute, divulgou uma nota da embaixada Brasileira, em 2008, com apenas 11 dias de antecedência do prazo final para inscrições no PEC-PG”, lembra Sarkis.

Ele avalia que a relação da academia brasileira com os países de árabes ainda pequena quando comparada às mantidas com a Europa, América do Norte, países de língua portuguesa, América Latina e até mesmo com nações do extremo oriente e da Austrália. “Conheço iniciativas de universidades com o Egito, Síria e alguns países do norte da África, mas são muito poucas em comparação com o nosso potencial e tradição”, opina.

Experiência de quem foi

Em fevereiro de 2006 Jalusa Prestes Abaide chegou ao Líbano para fazer seu pós-doutorado em Direito Ambiental, na Université Saint Esprit de Kaslik, com bolsa da Capes, onde ficou até abril 2007, havendo uma pequena interrupção de dois meses em razão do conflito armado entre o Hesbolah e Israel. “O processo burocrático para minha ida foi bastante tranquilo e na volta meu diploma adquirido no Líbano foi reconhecido no Brasil. Recebi uma bolsa no valor de cerca de três mil dólares mensais, razoável para professor com doutorado”, diz. Hoje, Jalusa é professora de Direito Ambiental na Universidade Federal de Santa Maria, No Rio Grande do Sul.

Ela afirma que decidiu fazer o pós-doutorado no Líbano, primeiramente, por ser descendente de libaneses e ter muitos parentes vivendo no país. “Já conhecia o Líbano e percebo que o Brasil sabe pouco sobre o país dos meus antepassados. Os juristas em especial nada sabem sobre o direito em um país árabe”, analisa.

Segundo a professora, brasileiros e libaneses têm muito em comum. A principal característica é a capacidade de adaptação e a aceitação de estrangeiros. “Acredito que o fator humano é a maior riqueza do Líbano”, diz.

Para quem deseja fazer intercâmbio acadêmico no Líbano, a professora recomenda que se tenha bem definido o objeto de estudo para então buscar as linhas de pesquisa nas universidades libanesas. Quando encontrar algo compatível, mantenha contato com os pesquisadores da área e inicie a comunicação para saber se eles têm interesse em orientar seu trabalho. “Não tenha receio, o primeiro passo pode ser difícil, mas não desista, seja corajoso, otimista e persistente, assim alguma porta se abrirá”, aconselha ela.

Richard Max de Araújo é outro brasileiro que escolheu o Líbano como destino, mas chegou lá em 2007 inicialmente como professor, em função de um acordo de cooperação cultural entre os dois países. Naquele ano o Ministério das Relações Exteriores do Brasil abriu um concurso para leitor de língua portuguesa em diversos países, entre eles o Líbano. “Na época eu cursava doutorado na Universidade de São Paulo, mas não recebia nenhuma bolsa, por esse e outros motivos, decidi me inscrever, fui aprovado e desde então aqui estou”, conta. Até junho de 2009, Richard contava com um salário do Ministério para ensinar língua portuguesa e cultura brasileira na Universidade Libanesa (UL), instituição pública, localizada em Beirute. Entretanto, o governo brasileiro quebrou o contrato com a universidade. “Continuo a trabalhar na UL, mas agora por iniciativa própria”, explica. Richard decidiu também dar sequência ao seu doutorado na Université Saint-Esprit de Kaslik e espera defender sua tese em pouco tempo.

O professor conta que sua vida no país estrangeiro é boa, até melhor do que em sua cidade natal: São Paulo. “Gosto da comida libanesa, uma verdadeira maravilha, da vida noturna e dos cafés de Beirute. É interessante ir de uma região a outra do mesmo país, ou até da mesma cidade, e passar de um mundo ao outro, do Ocidente ao Oriente e vice-versa. Embora pequeno, o Líbano é um universo a descobrir”, ressalta.

De acordo com sua experiência, muitos estudantes libaneses têm se interessado em estudar a língua portuguesa devido à imagem do país como potência econômica emergente. “O Brasil nunca ocupou qualquer parte do Oriente Médio, pelo contrário, recebemos libaneses de todas as confissões que hoje estão bem estabelecidos no Brasil”, lembra. Além disso, o fato de o Brasil não ter sido tão afetado como outros países pela atual crise econômica não deixa de ser um convite aos libaneses para investir numa terra em que muitos têm familiares bem-sucedidos. “Assim, se torna interessante aprender a falar a língua de uma nação que já oferece muitas oportunidades de negócio e, segundo eles, oferecerá muito mais em breve”, conta o professor.

Richard garante que o aprendizado da língua portuguesa pelos libaneses não oferece dificuldade. Isso porque a maioria dos libaneses são trilingues, já que falam além do árabe, também inglês e francês. “Nas áreas muçulmanas fala-se mais inglês e nas áreas cristãs, mais francês. Muitos em poucos meses de aula já compreendem totalmente um texto em português”, diz ele.

Para o professor, ainda há muito espaço a ser explorado pelos governos brasileiro e libanês nessa área de intercâmbio acadêmico. Richard explica que, do lado brasileiro, parte do problema é justamente a exigência de que os potenciais bolsistas dominem o português. “Mas falta um programa de estudo da nossa língua com maior alcance, com a oferta de mais cursos em mais pontos do país, além da formação de uma biblioteca”, salienta. Já do lado libanês, eles ainda guardam do Brasil a imagem daquele país distante, pouco industrializado, que recebeu contingentes de libaneses durante as várias guerras pelas quais sofreu o Líbano. “Devemos mostra-lhes por que estamos entre as dez maiores economias do mundo: carros movidos a etanol, grandes projetos de infraestrutura, produção de alimentos automatizada, enfim, mostrar uma imagem moderna do país”, acredita. Ele defende também a promoção de mais eventos culturais que divulguem a língua portuguesa como um caminho para se conhecer o Brasil e fazer negócios com ele. “O que se tem a fazer não é nada de novo, apenas seguir o que França e Estados Unidos já fazem: conquistar um espaço cultural para garantir um mercado consumidor”, afirma.

Jamil Zogheib – professor de psicologia clínica e social na Universidade Federal do Paraná e coordenador do Centro de Estudos dos Processos Identitários, das Etnias, das Crises e da Cultura Árabe, na mesma instituição – esteve no Líbano entre 1997 e 1999 para fazer seu doutorado e depois entre 2007 e 2008 para o pós-doutorado. Sua ida se deu por meio de intercâmbio entre as instituições francesas Universidade de Toulouse (doutorado) e Eescola de Altos Estudos em Ciências Sociais (pós-doutorado) e as unoversidades libanesas Saint Joseph e Notre Dame.

Ele conta que seu pai era um libanês cristão e veio para o Brasil no início
dos anos 1930, logo após muitas guerras e conflitos entre muçulmanos e cristão. “Ele falava muito dos drusos, dizia que era um povo guerreiro e violento e que tinha um tio que era o único a ter coragem de subir a montanha para fazer comércio com eles. Fiquei com essa história na cabeça e por isso acabei escolhendo o povo druso como objeto de estudo”, explica.

Jamil não fala árabe e durante o tempo em que esteve no Líbano comunicou-se em francês. Segundo ele, há uma série de dificuldades que podem ser evitadas ou
minimizadas se o estudante interessado em um intercâmbio estabelecer um contato prévio com as universidades no Líbano e assegurar sua recepção no país. “A parte
burocrática não é complicada, mas demorada”, completa. Segundo ele, há muitas dificuldades de sobrevivência naquele país como, por exemplo, a de arrumar trabalho. “O Líbano é um país de condições sociais precárias e o povo é bastante individualista. Isso não é fácil. Por outro lado, quando existe tempo e interesse a relação é muito alegre e afetiva, chega a ser emocionante”, diz ele.

Algo que o professor acha importante destacar é a percepção que um descendente tem quando chega ao Líbano. “Claro que idealizamos a terra de nossos pais e avós, então o choque com a realidade que encontramos é grande”, explica. Ele conta que há dificuldades de relacionamentos inter-confessionais e a percepção de um ódio subliminar nas relações sociais entre as diferentes comunidades. “ Aprendi que a politesse (um relacionamento polido) é muitas vezes uma forma de sobrevivência social. As alusões e metáforas são muito utilizadas assim como as ironias e piadas preconceituosas. São coisas complicadas para um brasileiro se acostumar, mas é preciso aprender a respeitar e distinguir essas situações”, alerta. Entretanto, o professor encontrou uma juventude que não leva a sério diferenciações sectárias e que com alegria e criatividade consegue misturar o rock com o fairuz nas festas e cafés.

História dos convênios

Os primeiros convênios entre universidades brasileiras e libanesas ocorreu em 2001 com os acordos assinados pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com a USEK - Universidade Espírito Santo de Kaslik (Maronita) e a Universidade Libanesa (estatal). Em 2004, Paulo Jorge Sarkis, ex-reitor da UFSM, participou de um congresso internacional em Kaslik sobre o ensino superior no Líbano, onde vários países apresentaram suas realidades e propostas para aquele país. “Na ocasião expliquei a estrutura do ensino superior no Brasil. Foi muito interessante. Pude constatar como os meios acadêmicos dos dois países se desconheciam totalmente”, lembra ele. Para superar esta dificuldade, no retorno ao Brasil, ele procurou divulgar entre seus colegas reitores de outras instituições federais de ensino superior as qualidade das principais universidades libanesas. Naquele mesmo ano, o Líbano foi incluído nas bolsas PEC-G e PEC-PG.

Em 2007, na sequência do apoio que o Brasil prestou ao Líbano, após o enfrentamento do Hesbolah com Israel, o MEC convidou Srakis para ajudar a preparar o I Seminário Acadêmico Brasil-Líbano, realizado em agosto, na Universidade de Brasília. O objetivo principal do evento era aproximar instituições e pesquisadores dos dois países.

As cinco principais instituições libanesas (Universidade Libanesa, Universidade Espírito Santo de Kaslik, Universidade Americana de Beirute, Universidade Saint Joseph e Universidade Notre Dame) forneceram conferencistas altamente qualificados. Do lado brasileiro o evento teve o apoio da ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) e contou com a presença de vários reitores e dirigentes de Instituições públicas e privadas.

Diversas iniciativas entre as Universidades foram oportunizadas no Seminário e os programas nacionais de fomento de intercâmbio acadêmico entre os dois países foram reforçados.


Saiba o que existe e onde procurar

Estudantes brasileiros: cursos de doutorado e pós-doutorado. Solicitações devem ser apresentadas junto à Capes e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) cujo julgamento e concessão dependem da área de conhecimento visada e dos critérios de julgamento que mudam a cada ano.

Estudantes libaneses: cursos de graduação e pós graduação. O MEC (Ministério da Educação brasileiro) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) oferecem, respectivamente, as bolsas PEC-G (Progama Estudante Convênio - Graduação) e PEC-PG (Programa Estudante Convênio - Pós Graduação). Estas bolsas são administradas conjuntamente com o Itamarati. Os interessados podem obter informações junto a Embaixada do Brasil em Beirute.