As perspectivas da relação política entre Brasil e Oriente Médio
Uma das aulas do curso "Mundo árabe - conjuntura atual e análise de cenários", que começa em 27 de outubro, será dedicada ao tema "Brasil e Oriente Médio, os caminhos da política externa brasileira". Nesta entrevista, a Profa. Cristina Pecequilo (Unifesp) adianta algumas das questões que serão abordadas.
De forma geral, como você avalia a forma com que a política externa brasileira tem agido em relação aos países do Oriente Médio?
Ao longo da história recente, principalmente a partir dos anos 1970, quando o Brasil começou a intensificar seus contatos com a região, a preocupação foi de manter uma postura equilibrada entre as partes em conflito. Da mesma forma, procurou respeitar os interesses e limites de cada uma destas partes. Assim, o Brasil passou a ser reconhecido como uma das poucas nações que tentava não pender para um lado ou outro. Tal postura gerou críticas principalmente de Israel e dos EUA,mas que mesmo assim não mudaram a posição do Brasil. As relações foram bastante intensas de 1970 a 1990, atravessando um período de baixa até a primeira década do século XXI, quando foram retomados, ao longo da administração Lula (2003/2010), os contatos políticos, econômicos e estratégicos preferenciais com a região.
Na última Assembleia Geral da ONU, a presidenta Dilma Rousseff se declarou a favor do reconhecimento do Estado Palestino. De que forma esse posicionamento pode contribuir para a solução do conflito Israel-Palestina?
A posição do Brasil e demais Estados que se demonstraram favoráveis à criação do Estado Palestino é relevante, demonstra que existe uma demanda pelo reconhecimento político da soberania dos dois povos, conforme estabelecido pela própria ONU desde 1948. Na atual conjuntura de forças regionais e globais, porém, este reconhecimento pouco muda porque os três principais interlocutores envolvidos no processo, Palestina, Israel e EUA, possuem entraves significativos para o
encaminhamento das discussões e a reaberturas das negociações de paz.
Paralelamente, o Brasil tem firmado pactos comerciais com Israel. De que forma esse tipo de acordo influi no posicionamento em relação à questão palestina? Trata-se de uma contradição?
Não há contradição, pois a grande preocupação do Brasil desde os anos 1970 no Oriente Médio foi defender uma política de aproximação com todos os países da região, procurando manter o equilíbrio entre as partes. Tanto que apesar das críticas dos EUA e mesmo de Israel em momentos tópicos, esta postura foi reconhecida como justa e de mediação. Com isso, existe grande respeito por parte dos países da regiao diante da diplomacia brasileira e sua preocupação em atuar de
forma isenta e desprovida de preconceitos diante de questões tão sensíveis.
Algo na atual política externa para o Oriente Médio foi modificado em relação às medidas adotadas pelo ex-presidente Lula? E em relação aos dois mandatos de FHC?
As relações Brasil-Oriente Médio sofreram uma baixa significativa ao longo do governo FHC (1995/2002), devido à prioridade atribuída às relações com os países desenvolvidos, em particular os EUA. Neste sentido, não só as relações Brasil-Oriente Médio foram afetadas, mas igualmente das relações Brasil-África e mesmo na América Latina, pertencentes ao que se define como parcerias Sul-Sul do Brasil. Embora laços comerciais tivessem sido preservados, o crescimento dos intercâmbios econômicos foi desacalerado, assim como as inciativas de cooperação técnica e contatos políticos. Com a administração Lula estas relações voltam a ganhar densidade e são recuperados os contatos, inclusive aumentando sua intensidade, veleocidade e peso na agenda do país. Um marco neste sentido foi a realização da Cúpula da ASPA (America do Sul Países Árabes) em 2005, visando criar uma dinâmica de contatos sistemáticos entre as nações árabes e sul-americanas, e que caminha em 2011 para sua terceira edição.
Como você enxerga a tentativa de aproximação do presidente Lula com o Irã? Podemos esperar uma continuidade no governo de Dilma Rousseff?
A aproximação com o Irã é controversa e foi cercada de muítas dúvidas, principalmente por conta das pressões dos EUA contrárias a esta aproximação seja na área nuclear como no campo dos direitos humanos. Aparte estas controvérsias e pressões que fazem parte do jogo de interesses da política mundial, a aproximação deve ser encarada como positiva no sentido que buscou engajar o Irã e não isolá-lo em temas sensíveis da agenda internacional. Em nenhum momento, o Brasil, e mesmo a Turquia, que também participou das discussões sobre a questão nuclear que resultaram no Acordo Tripartite rejeitado pelos EUA contemporizaram o tema ou deixaram de criticar o Irã quando necessário. Porém, como a situação foi bastante instrumentalizada e polarizada em "prós" e "contras" um debate maduro acabou não acontecendo na maioria das vezes em nenhuma das polêmicas. Mas a posição do Brasil foi positiva e demonstrou um escopo diferenciado de sua presença na região e no mundo. Com Dilma pode-se esperar a continuidade da presença na região, mas, pelo menos no caso do Irã, uma menor intensidade pelo menos neste início de governo a fim de evitar as polêmicas de 2010.
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