Osvaldo Coggiola fala sobre as mobilizações na Tunísia e suas consequências para a região
O professor Osvaldo Coggiola, titular da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) e colaborador do ICArabe, participou, em 23 de março, do curso "Países Árabes: Conjuntura Atual e Perspectivas", falando sobre a questão do Magreb, mais especificamente sobre o recente levante em que o povo da Tunísia derrubou Ben Ali, ditador que estava a mais de 20 anos no poder, e das repercussões deste processo na Líbia.
A entrevista a seguir retoma os principais pontos colocados por Coggiola durante a aula.
Quais foram os principais motivos que levaram o povo da Tunísia a se mobilizar para derrubar Ben Ali no início de 2011, após mais de 20 anos de ditadura?
O motivo imediato foi a miséria social, mas o protesto de imediato se transformou numa rebelião contra um regime ditatorial de mais de 20 anos de duração, caracterizado pela corrupção e seu caráter repressivo. Motivos para uma rebelião (uma revolução) sobravavam, faltava a faísca, que foi trágica (uma auto-imolação).
Qual o significado da demissão do primeiro ministro Mohammed Ghannouchi para o contexto político da Tunísia? Qual é a situação atual da oposição e como ela se comporta na atual conjuntura?
As tentativas mais continuistas fracassaram, incluída a de Mohammed Ghannouchi. A crise continua agora, pois o governo, instável, inclui pessoas do antigo regime. Mas a UGTT foi obrigada a retirar seus dois membros do governo, por pressão de suas bases. Abriu-se um caminho de independência de classe dos trabalhadores. A oposição é cada vez mais heterogênea, e o desenrolar da crise política vai apontar opções com um perfil mais nítidamente classista. Para acabar com o antigo regime (político) será necessário mudar o regime social.
Quais são as perspectivas em relação à implantação de uma democracia na Tunísia?
Condicionadas ao desenrolar de toda a crise nos países árabes. Há democracias e democracias. O pluripartidarismo como cobertura dos Ben Ali ou Mubarak, como o que existia, é uma pseudo-democracia. Uma democracia dos trabalhadores vai exigir um governo dos trabalhadores, operário e camponês. Contrariamente ao que se pensa, a Tunísia possui uma forte tradição política, em parte vinculada à esquerda francesa (em outros tempos, claro).
De que forma podemos relacionar as mobilizações populares que levaram à queda de Ben Ali na Tunísia aos protestos populares contra o governo de Muammar Kadhafi na Líbia e em outros países árabes como Egito, Iêmen e Jordânia?
A identidade social (pobres e trabalhadores) e cultural (árabe) pesou mais do que as divisões nacionais. Estamos ante uma revolução árabe. Não foi um "efeito dominó", como costuma afirmar a grande imprensa, mas um processo revolucionário único, embora logicamente heterogêneo. O ataque externo contra a Líbia vai internacionalizar ainda mais o processo, o imperialismo tenta criar na Líbia uma cabeça de ponte contra a revolução árabe (uma intervenção direta de Israel está, pelo momento, descartada, por razões internas e internacionais).