19ª edição do Prêmio Unesco-Sharjah é lançada em São Paulo

Qua, 24/08/2022 - 22:33
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A 19ª edição do Prêmio Unesco-Sharjah para a Cultura Árabe teve lançamento no Brasil, na sede da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em São Paulo, na manhã desta segunda-feira (22). O evento contou com mesa redonda com cinco laureados. As inscrições para o prêmio devem abrir em até dez dias.

O prêmio é uma iniciativa do governo do emirado de Sharjah, um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos, e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A honraria é concedida a pessoas, grupos e instituições que contribuem para a promoção da cultura árabe no mundo, e todos os países podem participar. Sharjah é conhecido como o emirado da cultura.

Os premiados que participaram presencialmente foram, do Brasil, Silvia Antibas, diretora cultural da Câmara Árabe, e João Baptista de Medeiros Vargens, vice-presidente do ICArabe (leia abaixo seu discurso); da Argentina, Christian Mouroux, do Cine Fértil; e do Iraque, Dunya Mikhail. Por videoconferência do Líbano, participou Rami Tannous, do Samandal. O moderador foi o vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara Árabe, Mohamad Mourad, que perguntou a todos como foram impactados e influenciados pela premiação em sua jornada pessoal e profissional.

Rami Tannous é um ilustrador baseado em Beirute, no Líbano. Samandal é uma organização sem fins lucrativos que trabalha com a edição de novelas gráficas em árabe, principalmente. Foi a organização que ganhou o prêmio Sharjah-Unesco na 16ª edição. “Infelizmente ninguém da ONG pôde utilizar o dinheiro, porque com a atual situação do Líbano, o dinheiro está preso no banco, não podemos mexer, então por enquanto só utilizamos o título para tentar outros incentivos e financiamentos. É muito triste. Nós temos muito orgulho do prêmio, mas infelizmente tudo está somente no papel”, disse Tannous por videoconferência ao vivo.

Dunya Mikhail (foto de capa) é iraquiana, nascida em Bagdá, e ganhou o prêmio na 18ª edição, em 2020. Ela foi tradutora e jornalista antes de migrar para os Estados Unidos, e hoje é poeta e professora em Michigan. Seu trabalho fala sobre a guerra, migração, a perda de seu país e as complexidades que acompanham essa perda para uma pessoa. Seu romance, A Tatuagem de Pássaro (The Bird Tattoo), será traduzido para o português por Beatriz Gemignani e lançado pela editora Tabla.

“É importante ver que nosso trabalho é reconhecido, enquanto mulher, imigrante vivendo fora, o impacto não é só para mim, mas para minha comunidade. Esse prêmio empodera artistas, escritores, embaixadores da cultura e celebra a excelência em promover o diálogo da cultura árabe internacionalmente. Como escritora, meu poder é minha caneta, que eu uso para defender a liberdade de aprender. E sinto que esse prêmio ‘afiou’ minha caneta. Não é o fim, é o começo. Acho que a conversa vai continuar e o impacto será sentido mais e mais”, disse Mikhail.

Representando a organização sem fins lucrativos Cine Fértil, Christian Mouroux falou sobre o projeto, que envolve a divulgação de filmes árabes e latino-americanos pela América Latina, países árabes e Europa. O projeto argentino foi contemplado com o prêmio em 2017 por promover a cultura árabe na América Latina com festivais de cinema, produções audiovisuais e programações regionais. O projeto teve início em 2009.

“No nosso meio sempre falam em construir pontes, mas nós, árabes e latinos, não precisamos construir nada, a ponte já está aqui, só precisamos usá-la”, disse Mouroux. Ele afirmou que filmes árabes e latino-americanos têm muitas similaridades, que há um espelhamento entre as regiões. O primeiro festival internacional do Cine Fértil ocorreu em 2011. Além dos festivais, eles criaram também um espaço para que profissionais de ambas as regiões pudessem trabalhar juntos para fazer cinema.

“O prêmio impactou na legitimação do nosso trabalho, no reconhecimento do trabalho que construímos, e do que queremos fazer no futuro. Estamos seguindo essa luz em muitos sentidos”, disse Mouroux.

A historiadora e diretora cultural da Câmara Árabe, Silvia Antibas, também falou sobre o impacto do prêmio em sua trajetória. “Tive muita sorte de estar no lugar certo com as pessoas certas e na época certa aqui com a Câmara Árabe. Os homens de negócios da Câmara Árabe são sensíveis e entendem o poder da cultura, desse diálogo, do conhecer o outro, até para fazer negócios. Esse apoio que tenho aqui é incondicional”, disse. Antibas foi premiada na 17ª edição, em 2019.

O professor João Baptista de Medeiros Vargens ganhou a 10ª edição do prêmio, em 2011. Ele é editor, autor, tradutor, lexicólogo e professor de língua árabe e civilização, além de vice-presidente do Instituto de Cultura Árabe. “No meu trabalho pude conhecer diversos países árabes, mas só fui conhecer a Palestina este ano, cuja causa foi um dos motivos de minha escolha profissional”, disse Vargens.

A poeta Dunya Mikhail finalizou o evento recitando alguns de seus poemas em inglês, acompanhada por uma projeção de ilustrações suas com escritos em árabe e por música árabe clássica no alaúde com o músico Ian Nain.

Abertura

O evento inaugural foi aberto pelo embaixador Osmar Chohfi, presidente da Câmara Árabe. “Para nós, o orgulho vai além de contribuir com uma iniciativa global de claras sinergias com a missão da nossa entidade, que, além de fortalecer o comércio bilateral, também tem por objetivo estreitar laços culturais e de amizade entre brasileiros e árabes”, disse Chohfi. Ele complementou enaltecendo a premiação de Silvia Antibas, historiadora e diretora cultural da entidade.

Angela Melo, diretora de Inclusão Social e Juventude no setor de Ciências Humanas e Sociais da Unesco, contou que o prêmio foi criado em 1988 e já reconheceu 36 artistas, pesquisadores, tradutores e entidades de diversas regiões do mundo, da Europa, América Latina, Ásia e África. “Não poderíamos ter feito escolha melhor para lançar nosso prêmio. O Brasil e São Paulo representam os valores deste prêmio, que é um dos mais importantes da Unesco”, disse Melo. Ela incentivou a candidatura de mulheres e de jovens. “A equidade de gênero e a juventude são prioridades”, declarou.

O cônsul-geral dos Emirados Árabes Unidos em São Paulo, Ibrahim Alalawi, também falou no evento. Ele disse que seu trabalho como cônsul não se resume ao comércio, mas também ao setor cultural. “Após dois anos de pausa pela pandemia, podemos fazer um evento presencial para lançar o prêmio deste ano. Convido todos a visitar meu país e o emirado de Sharjah”, disse Alalawi.

A diretora da Câmara Árabe, Alessandra Frisso, fez uma breve apresentação sobre a comunidade árabe no Brasil com base no estudo de 2019 realizado pela entidade. São cerca de 12 milhões de árabes e descendentes no País, e muitos estão presentes na cultura, nas artes, na literatura. “Cerca de 29% dos árabes no Brasil têm curso superior, ante 6% da população brasileira”, disse Frisso.

A Câmara Árabe também será palco do lançamento do projeto Arab Latinos!, da Unesco, que visa promover o diálogo intercultural para a inclusão social e desenvolver a cultura árabe na América Latina. O evento tem início na noite desta segunda-feira (22) e vai até dia 24 de agosto.

Crédito da foto acima: Edson Lopes Jr./Câmara Árabe

 

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Leia a fala do Professor João Baptista de Medeiros Vargens, vice-presidente do ICArabe, no evento:

 

Com alegria recebi o convite para participar da cerimônia de lançamento do Prêmio UNESCO-Sharjah para a América-Latina e o Caribe. 

Cumpre-me ressaltar o apoio que a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira presta às iniciativas culturais, tendo em vista o mútuo conhecimento entre o Brasil e os países árabes. Na qualidade de Vice-presidente do Instituto de Cultura Árabe, agradeço à Câmara de Comércio Árabe-Brasileira pela inestimável parceria em diversas realizações.

Há 11 anos recebi um telefonema do Itamaraty perguntando-me se aceitaria a indicação de meu nome para concorrer ao prêmio UNESCO-Sharjah para a Cultura Árabe. Disse a meu interlocutor que me sentia honrado, porém afirmei que havia outros estudiosos envolvidos com o tema no Brasil e que eles representariam o País melhor do que eu no prestigioso certame.  Na ocasião, o diplomata da equipe do Ministro George Torquato Firmeza, então Diretor do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores, apresentou argumentos em prol da candidatura que me convenceram.

Confesso que, com surpresa e enorme satisfação, soube da escolha de meu nome, galardoado com tão significativa premiação, ao lado do laureado escritor libanês Elias Khoury, agora traduzido para o português pela eminente professora da USP, Safa Jubran, e publicado pela Editora Tabla.

A entrega do prêmio foi na sede da UNESCO, em Paris, com grande repercussão, especialmente na imprensa dos países árabes. Na oportunidade, destaquei, em meu discurso e inúmeras entrevistas, que aquele reconhecimento, na verdade, não tinha um caráter individual, pois há mais de 40 anos, como aluno e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, eu sabia muito bem que trabalhos de fôlego, no âmbito da investigação científica, artística ou cultural, são fruto de um labor coletivo e dependem de um suporte institucional. Em minha intervenção, citei meus colegas do Setor de Estudos Árabes da UFRJ e meus colegas do Departamento de Estudos Árabes da USP. Explicitei, também, a importância de minha estada, como aluno e professor, na Universidade de Damasco, onde estive durante 2 anos, graças à bolsa de estudos concedida pelo Governo da República Árabe da Síria; os 3 anos em que ministrei disciplinas de língua portuguesa e de cultura brasileira na Universidade de Tetuão, no Marrocos e, por fim, os vários anos em que desenvolvi minha tese de doutoramento na Universidade de Lisboa, cujo trabalho contribuiu para a fixação de cerca de 3.000 verbetes de origem árabe no Dicionário Aurélio Século XXI.

Por conta de meu trabalho, tive a oportunidade de visitar alguns países árabes, mais somente em maio deste ano conheci a Palestina, cuja causa foi um dos motivos para minha escolha profissional.  Convidado por S. Exa Embaixador Alessandro Candeas, Chefe da Representação do Brasil em Ramallah, visitei três universidades, Birzeit, Al-Quds e Belém e em futuro próximo serão assinados acordos de cooperação entre as aludidas universidades e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.  Esteve na Palestina também, uma semana após a minha estada, a Professora Doutora Arlene Clemecha, do Departamento de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo. Como resultado concreto de nossas visitas, foi programado um seminário, composto de 15 aulas, a partir de março de 2023, com a participação de acadêmicos palestinos e brasileiros, que discutirão o tema: “Brasil e Palestina: fontes de identificação”.

Para concluir, gostaria de assinalar que em 2016, participei na Universidade de Kaslik, no Líbano, de um congresso reunindo estudiosos da América Latina, que abordaram o contributo do imigrante árabe nas artes e na cultura local. Esteve presente no evento também a Dra. Silvia Antibas, Ilustre Diretora Cultural da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e recém-galardoada com o Prêmio Unesco-Sharjah para a Cultura Árabe. Em Kaslik, fiquei impressionado com a variedade e com a qualidade dos trabalhos apresentados e, assim, mais uma vez, pude dimensionar a importância do imigrante árabe, sua adaptação e integração na sociedade dos países do continente que o acolheu.

Pelo exposto e muito mais, saúdo a criação do Prêmio UNESCO-Sharjah para a América Latina e o Caribe, na certeza de que muito contribuirá para o fomento de novas investigações e para o reconhecimento dos esforços de pesquisadores e, sobretudo, de instituições que se dedicam ao estudo e à difusão da cultura árabe nos países em tela.

Muito obrigado.