Argélia foi objeto para os imperialismos francês e estadunidense
Na segunda noite de debates do Ciclo de cinema “Cultura árabe em debate”, o arquiteto e professor em Arte e Arquitetura árabe da USP, Andrea Piccini, comentou o filme “A Batalha de Argel”. O filme conta a história de um ex-presidiário que se associa a uma organização nacionalista, a Frente de Libertação Nacional, resistência ao domínio francês. O diretor italiano Gillo Pontercovo reconstitui a luta dos argelinos pela independência e a época crucial da rebelião.
O filme começa em 1954, mas chega até os momentos decisivos das batalhas de rua que levariam à independência do país em 5 de julho de 1962. A história capturada por Pontercovo retrata com uma fidelidade impressionante o clima da luta de resistência. Quase um documentário que lembra, inclusive, cenas de conflitos atuais entre Ocidente e países árabes.
Piccini, no entanto, lembrou de jogadas políticas que ficaram durante muito tempo nos bastidores da História. O professor estuda o assunto e esteve na Argélia dez anos depois do fim do colonialismo francês. Na verdade, a França já se preparava para entregar a administração de parte da Argélia para os argelinos. No Acordo de Evian, no começo de 1962, palco para um acerto de trégua com o FLN, a França pretendia ceder a independência somente da parte Norte do país. “Isso porque a França considerava o Saara uma reserva francesa, onde estava se descobrindo o potencial do petróleo no Saara”, explica Piccini.
Além de explorar as riquezas de petróleo da Argélia, os franceses queriam formar um corredor para escoar a produção para os países africanos. E juntando partes do Senegal e de Mali, fariam uma zona franca tutelada pela França. “Os argelinos não aceitaram, e continuou essa batalha de dois anos, porque não aceitaram a divisão”.
O FLN, no entanto, foi apoiado por uma outra potência que tinha interesse na exploração do petróleo do Saara, os Estados Unidos. O discurso estadunidense nos anos de 1961 e 1962, que antecederam a independência argelina, pressionava para uma saída francesa. A idéia vendida era que o país americano defendia a autodeterminação dos povos. Mas a realidade era que ele estava de olho na riqueza presente no subsolo saariano.
“Na verdade, as companhias de petróleo americanas, as conhecidas Sete Irmãs, forneceram armas ao FLN. Esses documentos apareceram. Essas armas que chegaram ao FLN permitiram depois que se formasse o Exército de Libertação Nacional que lutou contra os franceses. Ainda hoje na Argélia elas ainda têm a exclusividade de produzir e controlar o gás e o petróleo. Essa á uma parte do acordo econômico com os Estados Unidos”, conta Piccini.
Charles De Gaulle, estadista francês, não teve escolha. Com a pressão dos Estados Unidos, a França deixa a Argélia.
Após a independência, no entanto, a Argélia se torna um país socialista. Socialista, mas não comunista. “O marxismo e o comunismo eram e ainda são proibidos na Argélia”, conta Piccini. Essa posição é tomada pela Argélia para se tornar um país não-alinhado, movimento que teve sua maior expressão mesmo antes da independência argelina, em 1955, no encontro que ficou conhecido como Conferência de Bandung, reunindo os países de terceiro mundo. A Argélia se uniu a essas nações que não faziam parte do bloco capitalista, dos Estados Unidos, e também não eram integradas ao bloco soviético. Desse grupo faziam parte o Egito, de Gamal Abdel Nasser, a Iugoslávia, do Marechal Tito, e a Indonésia.
RECONSTRUÇÃO - A independência argelina teve um milhão de mortos. “Quando estive na Argélia e as pessoas falavam da Guerra de Libertação, todo mundo tinha pelo menos um parente que havia morrido no momento da independência”, diz Piccini.
O exército utilizou napalm no ataque aos nacionalistas. Até hoje a floresta em volta de Argel é inexistente. “Eles acabaram com uma faixa da população que podia produzir. Arrasaram a infra-estrutura e o território, e os expoentes políticos”. Os argelinos, então, buscaram o apoio internacional para se levantar. Os acordos comerciais foram feitos com os dois lados do mundo. Com o bloco capitalista, inclusive com a ex-metrópole França, e com o bloco soviético.
Fora do âmbito comercial, o Egito colaborou com a reforma educacional que procurou arabizar o idioma no país. Grande parte da população falava francês até a década de 80. Cuba, por sua vez, enviou missões de médicos para atuar na saúde da Argélia.