Professora usa dança árabe para aumentar a auto-estima das mulheres
Maira Mattar conta como dançar trata da liberdade física e emocional da mulher. Sua vontade é levar essa ajuda para favelas do Rio de Janeiro.Esqueça as dançarinas com cinturões dourados e roupas de paetês. Não ouse chamá-la de odalisca ou esperar sorrisos e gestos de anjo ensaiados. Maira Mattar não veste nenhum dos estereótipos que vêm junto com a lembrança da dança árabe. A força de sua presença é desconcertante. Mas a firmeza de sua voz e a convicção em suas palavras logo chamam a atenção para o que ela tem a dizer. Professora de dança árabe no Rio de Janeiro, Maira Mattar quer levar a dança e a cultura de seus ancestrais para as favelas cariocas. Neta de imigrantes libaneses drusos, Maira Mattar tem 49 anos e dança desde pequena. Seu maior incentivador foi o avô, Tawfiq Mohammed Mattar, que lhe apresentou a cultura árabe. Comerciante bem-sucedido no Rio de Janeiro, Tawfiq preservou as tradições árabes em sua casa. Maira deu seus primeiros passos na dança enquanto o avô ouvia fitas da cantora Fairouz e batia palmas incentivando a neta a dançar: “Yalla!”. Hoje a professora se dedica a fazer com que a dança árabe seja respeitada levando-a a lugares onde ela geralmente passa distante. Centros culturais cariocas como o Museu Nacional de Belas Artes, o Teatro da Aliança Francesa e o festival de Teatro Rio Cena Contemporânea já receberam sua dança. Ela também se dedica à preparação de atores para o teatro. Foi assim com a atriz Cristiane Torloni na peça “Salomé” dirigida por José Possi Neto. Maira conta que a dança trata da liberdade física e emocional da mulher. Entre as pessoas que a procuram para aulas estão mulheres que querem lidar com seus medos ou querem se conhecer melhor. Muitas são incentivadas a dançar por seus psicanalistas. “Através da dança é possível se conhecer, se encarar sem medo no espelho. A mídia oferece às mulheres uma receita pronta que diz como todas elas devem ser. Essa receita acaba afastando-as de quem elas realmente são. A dança resgata a intimidade da mulher com ela mesma”, explica a professora. É esse trabalho, que já recebeu elogios de Antonio Houaiss, que Maira Mattar pretende levar às favelas cariocas. Ela já fez um trabalho parecido nos CIEPS (Centro Integrado de Educação Pública) com um grupo de psicanalistas. A professora acredita que a dança e cultura árabes podem ajudar as meninas de comunidades carentes a lidar com um cotidiano violento. A favela que receberá o trabalho já foi escolhida, mas a professora prefere não revelar o nome até que tudo esteja acertado. A idéia do trabalho, segunda ela, lembra o harém descrito pela socióloga marroquina Fatema Mernissi na obra “Sonhos de Transgressão”: um encontro entre mulheres e crianças que contribui para o desenvolvimento educacional dos pequenos. “Há meninas que apanham em casa, outras que sofrem violência sexual. A dança contribui para a auto-estima, para que elas se sintam mais importantes e encontrem a delicadeza em si mesmas”, diz Maira. O que era uma brincadeira de menina tornou-se tão sério que Maira decidiu ir estudar no mundo árabe. Em 1983, foi ao Líbano, então em guerra civil, e ao Egito, onde conheceu a dançarina Chehine que a escolheu como aluna. Essas experiências somadas a criação no seio de uma família árabe deram a Maira a certeza de que deveria trabalhar com mulheres. O incômodo provocado pela situação das mulheres na colônia árabe brasileira se estende à situação das mulheres no próprio mundo árabe. Ao estudar a dança árabe, Maira viu-se obrigada a mergulhar na história do Egito e a procurar por personagens femininos. Embora as origens da dança árabe permaneçam ainda obscuras, tudo indica que foi no Antigo Egito que ela surgiu ligada aos rituais de fertilidade. Com ar de perplexidade Maira comenta que mulheres como Nefertari, Khadija ou Nawal El Sadaaoui são sombras ao lado de personagens masculinos mais fortes: “As meninas não conhecem as histórias dessas mulheres. Elas não aprendem a admirar mulheres fortes de participação importante. É como se a história árabe tivesse sido escrita apenas por homens”, lamenta.