Por uma compreensão maior das fronteiras de Palestina/Israel como modelo de nossas sociedades atuais

Qua, 25/11/2015 - 18:58
Eitan Bronstein é um israelense nascido na Argentina. Ele fundou uma organização chamada Zochrot (Relembrar, em hebraico), que hoje procura conscientizar a sociedade israelense sobre os crimes que cometeu durante a nakba, a expulsão dos palestinos de suas vilas e terras no momento da criação de Israel. “Esta não é apenas uma história palestina, mas deve ser considerada uma história nossa. Se não reconhecermos o que fizemos, não temos chance de realizar qualquer solução”. Hoje, ao lado de Eléonore Bronstein, ele leva adiante a iniciativa Decolonizer, uma tentativa de escavar os pecados do esforço colonial sionista para que então possam ser expostos e desmontados. Um israelense orgulhoso de seu hebraico, um apaixonado por TelAviv, ele quer desconectar a identidade do projeto de um Estado que não pode ser nada além de colonial, de ter entranhado em si a dinâmica da limpeza étnica como instrumento da política.

Claro. A colonização se dá um terreno concreto, na Palestina ocupada. Na aldeia de al-Jiftlik, o pano de fundo, por sobre as ruínas de casas demolidas, é a linha do horizonte deslumbrante, cortada por montanhas verdes e marrons que serpenteiam até as perdermos de vista. À noite, a leste, vemos as luzes de vilas do lado jordaniano como se fossem um céu deitado nas montanhas. O pôr-do-sol costuma ser a contradição chocante à ocupação, pois esta natureza oferece apenas um consolo momentâneo. Afinal, ali é o palco dramático da luta dos camponeses palestinos contra os tanques e soldados israelenses.

A cobiça palestina é apenas sobreviver eexistir nas suas próprias terras. Se não bastassem os obstáculos para manter suas casas de pé, têm enormes problemas para acessar fontes água. Tudo é controlado por leis militares. A sobrevivência se dá em meio ao medo da prisão, onde podem passar meses sem justificativa. Uma lógica que pode começar cedo. Nesta semana, rodou um vídeo onde um menino era preso em Bethlehem, sul da Cisjordânia ocupada.

Por isso, muitos palestinos saem do vale do Jordão e migram para as cidades mais a oeste da Cisjordânia, como Tubas ou mesmo Ramallah. De fato, tais políticas são uma forma de fazer com que habitem as áreas implementadas por “Oslo” (os acordos de paz de 1993 que Edward Said descreveu como a Versalhes palestina), as pequenas ilhas sob controle formal da Autoridade Nacional Palestina. Desse modo, sob restrições violentas para habitar suas terras, muitos deixariam o que já é dominado pelos israelenses de fato, pela força, esvaziando vilas e cidades palestinas. Assim, o caminho estaria aberto para os israelenses terem formalmente para si o Vale.

Tijolos e pedras

As formas de resistência estão em pequenos gestos. Rashed Khudeiri, ativista palestino, é morador da área e organiza um centro no qual palestinos e estrangeiros passam o dia simplesmente fazendo tijolos de argila para reconstruir casas constantemente demolidas. “Temos pressa, todo esforço que pudermos fazer para manter raízes palestinas por aqui, fazer com que as pessoas não saiam do vale, temos que fazer. Este é o esforço maior agora”, explica.

É nesta fronteira que um trabalho como o da FFIPP-Brasil (Rede Educacional para Direitos Humanos em Palestina/Israel) parece se colocar, para que não apenas a questão palestina – já entrando em mais de século - seja melhor esclarecida no Brasil mas também para que o debate sobre a nova sociedade do controle que se espalha possa ser debatida com o conhecimento de seus elementos.

E isso parece urgente. Após as mortes pelos atentados em Paris, o mundo parece novamente embaralhado. Nos encontramos novamente buscando respostas na linha do embate colonial, da opressão brutal e desumana e da resistência reacionária ou fundamentalista. Procuramos um humanismo claro que parece não ter lugar em meio a bombardeios, atentados, mortes de civis aos milhares e medo. O processo óbvio, após o luto, é querer ordenar o que parece incompreensível, desejar dar clareza ao que se desenha como caos.

É isso que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu fez um dia após as mortes na França. Ele deu as devidas condolências, mas então fez a conexão que lhe interessava do que ocorreu em Paris com a ocupação violenta que administra como um rei carrasco: “Assim como condenamos atos assassinos ao redor do mundo, também espero que condenação seja dada contra os assassinatos que ocorreram ontem, de Yaakov e Natanel Litman (dois colonos israelenses que foram mortos a tiros na cidade de Hebron, nos Territórios Ocupados Palestinos) (...) Nós nos posicionamos na linha de frente contra o terrorismo, que se transforma cada vez mais de um terrorismo nacionalista palestino em um terrorismo islâmico”. A manobra foi feita. Dos fragmentos da desgraça o poder monta o quebra-cabeça que lhe convém. 

O seu ministro da Defesa, Moshe Ya’alon, fez uma análise do que pode ser um novo equilíbrio para as medidas políticas na Europa pós-ataque a Paris: uma mudança no balanço entre preocupações de segurança e proteção a direitos humanos. A França teve seu 9/11. Agora, disse ele, a França “vai precisar de escutas telefônicas, um controle maior de passaportes e postos de guarda nas entradas de lugares públicos”. É a israelização contemporânea das políticas de Estado.

Direitos

Então o ciclo se completa em contraponto. A elaboração de dominação israelense faz das consequências as causas e assim dá uma nova dimensão à punição diária que realiza. E desse modo a fronteira colonial da Palestina, após décadas de conflito, está mais longe de ser desmontada. Ao contrário, Israel tornou-se mais do que nunca o país ao qual se volta para se pensar num sistema político calcado em segurança social de controle despido de direitos humanos. O ativista israelense Jeff Halperaplica o conceito de armazenamento (warehousing) quando pensa as políticas israelenses em Gaza e na Cisjordânia. “Eles são presidiários, sob custódia do Estado, cujo status é fixado de forma que, para todos os propósitos, estejam desaparecidos. Ninguém se importa com o que acontece com eles (...), e seus direitos são respeitados apenas na exceção. E quando se ‘rebelam’ – e nós usamos uma linguagem não-política para descrever os atos dessas ‘menos do que pessoas’ – os guardas da prisão têm todo o direito e dever de suprimi-las. Sem negociações. Eles não são um ‘lado’, apenas sujeitos a serem administrados, a serem ‘armazenados’, para sempre se provarem serem pouco cooperativos”.

Na disputa por um ordenamento de situações como a atual, os vácuos deixados pela ignorância permitem comparações manipuladoras, que apagam a História e então o ordenamento de uma justiça. Um trabalho como o da FFIPP – ela descreve em seu perfil trabalhar com versões marginalizadas dos diversos lados - se torna importante dentro desse contexto, para que se faça um esforço de conhecer a geografia, a história e os relatos de palestinos e israelenses dentro dessa fronteira de domínio, opressão e resistência.

A organização lançou agora em novembro sua primeira campanha de financiamento coletivo institucional para apoiar suas atividades no Brasil e em Palestina/Israel, como cursos e a viagem que realizam para Palestina/Israel.

A campanha está hospedada na plataforma Benfeitoria e pode ser acessada pelo link: https://beta.benfeitoria.com/ffippbrasil

Artigo originalmente publicado no site da Caros Amigos.