Série de verbetes informativos sobre os árabes: Zajal
Conheça o quinto verbete da série informativa do ICArabe dedicada à cultura árabe. Esta iniciativa tem como propósito ampliar a compreensão sobre o mundo árabe, esclarecendo mitos e desfazendo estereótipos. Em sintonia com a missão do instituto, o projeto promove a disseminação responsável do conhecimento, incentivando uma sociedade mais bem informada e reflexiva.
A poesia árabe existe desde o pré-islamismo. As obras retratavam a vida no deserto, os acampamentos abandonados, as façanhas das conquistas e os amores concretizados ou sonhados. O apreço da sociedade ao verso ensejou o surgimento de um profissional que ganhava a vida recitando criações alheias, o rawi.
A relação ontológica feita por Heidegger (1889-1976) entre a linguagem e ‘a casa do ser’ leva-nos a estabelecer um paralelo com o conceito de verso em árabe, bayt, que, além de significar uma linha do poema, é, também, a casa, a morada, a família de um modo geral.
Ao longo da trajetória da civilização islâmica, a poesia ganhou novos contornos, estruturais e temáticos, mas sempre esteve presente, manifestação artística cultuada desde os palácios de Bagdá às praças de comércio.
Deste modo, muito fértil e criativo foi o legado poético deixado pelos árabes-islâmicos na Península Ibérica. Aqui destacamos o Zajal.
Se recorrermos à raiz trilítera da palavra, z j l, encontraremos as seguintes concepções: lançar, empurrar, soltar um pombo-correio. Já a forma verbal zajila encerra o sentido de cantar e cantarolar. O zajal é um canto próprio para ocasiões festivas e, talvez, um murmúrio noturno oriundo dos gênios, assim imaginavam alguns. Trata-se de uma composição poética estrófica, que frutificou em Alândalus nos séculos XI e XII, cujo maior expoente foi Ibn Quzman de Córdoba (1086-1160). O poema celebra a identidade cultural árabe e aborda, também, temas amorosos, em que a adversidade é superada pela esperança e a resiliência.
Primeiramente, o zajal, era somente cantado. Havia um certo preconceito em se escrever a língua falada.
Registra o poeta, tradutor e professor Michel Sleiman, “o que diferencia o som do zajal das formas sonoras clássicas é sua capacidade de confrontar sujeitos, enunciados e espaços distintos, uma vez que seu referencial é a língua mestiçada do vulgo, não obstante ela estar adaptada, no poema, aos propósitos literários, como vimos, de exaltação” (2007).
Fontes:
SLEIMAN, Michel. A arte do zajal, estudo de poética árabe. Cotia, SP; Ateliê Editorial, 2007.
SOBH, Mahmud. Historia de la literatura árabe clássica. Madrid: Cátedra, 2002.
VARGENS, João Baptista M. A poesia árabe, um ensaio luso-brasileiro. Rio Bonito, RJ: Almádena, 2020.
João Baptista de Medeiros Vargens
Professor titular do Setor de Estudos Árabes da UFRJ. Foi Laureado com o Prêmio UNESCO-Sharjah 2011 para a cultura árabe. Em 2013, recebeu o Prêmio Internacional Rei Abdallah Bin Abdullaziz Al Saud para Tradução e em 2016 foi homenageado pela Universidade Aswan pela atuação como Professor Titular do Setor de Árabe da UFRJ. Intelectual livre, ensaísta e fundador da editora Almádena, tem diversas publicações nas áreas da cultura lusófona, árabe, língua e cultura popular brasileira. Atualmente, integra o Conselho do Instituto da Cultura Árabe.