Obra de Gamal Ghitany é lançada no Brasil com tradução de Safa Jubran
“O Chamado do Poente”, do grande sábio das letras árabes, Gamal Ghitany, acaba de ser lançado pela Editora Estação Liberdade. Traduzida diretamente do árabe por Safa Jubran, a obra convida o leitor a uma jornada mística e erótica pelo deserto.
O livro narra a história de um velho habitante do Cairo, que acorre um dia ao país do poente levando consigo uma extraordinária história de errância, de revelações e de imposições divinas; logo o sultão ordena que um de seus secretários registre em detalhes seu relato místico e emocionante.
Tudo começa em sua morada no Egito, na noite em que Ahmad Ibn-Abdallah ouve uma voz misteriosa dizendo-lhe: “Parta!”. O chamado ordena-lhe que siga sempre em direção ao poente, e, quanto mais a voz ecoa, mais Ahmad deixa para trás seus entes queridos e tudo o que havia construído.
Tem então início uma jornada de autoconhecimento e reflexão, na qual o estrangeiro se deparará com personagens enigmáticos, desafios extraordinários e as mais inesperadas experiências. Aprenderá a arte da navegação no deserto com a caravana de Hadramawti, a descoberta do amor num oásis negligenciado pelos mapas, a força enlouquecedora do poder no fabuloso Território das Aves, a experiência caótica do povo dos bastões. Caminha sem bagagem alguma, mas adquire alguns pertences ao longo do caminho: uma caneca, um pequeno odre de couro e três livros — um deles muito misterioso, com páginas em branco.
Viagem rumo ao desconhecido que alia mistério a erotismo, seriedade a humor e a tradição narrativa das Mil e uma Noites ao romance contemporâneo, o conto de Gamal Ghitany é, ao mesmo tempo, uma sátira aos regimes políticos do mundo árabe, uma meditação sobre a vida humana e um hino à beleza do mundo (leia trechos abaixo).
“O Chamado do Poente” é mais um grande lançamento da literatura árabe no Brasil, após o "Livro das Mil e Uma Noites", traduzido pela primeira vez do árabe para o português por Mamede Mustafa Jarouche, e
"Poemas", do sírio Adonis, com tradução de Michel Sleiman, ambos lançados em 2012.
Para a tradutora Safa Jubran, houve um despertar de interesse dos editores brasileiros para com a literatura árabe. “O que temos hoje a meu ver é uma vontade de conhecer esta literatura que até o pouco tempo, quando existia, era traduzida indiretamente. Hoje temos as traduções diretamente do árabe.”
Sobre Gamal Ghitany
Nascido em 1945, no Alto Egito, de família modesta, o escritor mudou-se para o Cairo ainda criança, e o antiquíssimo bairro de Al-Gamaliya seria tema recorrente de sua obra. Publicou sua primeira coletânea de contos aos 14 anos. Estudou artes e com 17 anos já trabalhava como desenhista de tapetes. Ingressou aos 23 no mundo jornalístico e cobriu como correspondente de guerra grandes conflitos do Oriente Médio, como as três guerras entre Israel e os países árabes. Publicou cerca de 30 obras e se estabeleceu como um dos grandes romancistas e homens de letras do Egito, buscando inspiração na cultura árabe clássica e no sufismo. Em 1980, recebeu o prêmio nacional de literatura do Egito, e em 1987, foi nomeado na França Chevalier des Arts et des Lettres. De 1993 a 2011 foi editor-chefe da Akhbar Al-Adab [Notícias culturais], a mais importante publicação literária do país. Entre suas principais obras estão as inéditas no Brasil “O misterioso caso do beco Zaafarâni”, “O livro das iluminações” e “As poeiras do desaparecimento”.
Sobre Safa Jubran
Livre-docente pela Universidade de São Paulo e professora do Departamento de Letras Orientais da mesma instituição, pesquisa literatura, filologia e linguística árabe e é membro do conselho do periódico Circumscribere. Entre suas traduções estão “Tempo de migrar para o norte”, do sudanês Tayeb Salih; “Porta do Sol” e “Yalo, filho da guerra”, do libanês Elias Khoury; e “Eu vi Ramallah”, do palestino Murid Barghouti.
Trechos do livro
“O desvalido diante de Deus, rogador de Seu perdão, buscador de Seu afeto, Ahmad Ibn-Abdallah Ibn-Ali Ibn-Awad Ibn-Salâma, Aljuhani, Assaîdi, nascido no Cairo em terras do Egito, disse que sua saída de sua pátria se deu na quarta-feira, no nono dia do mês de maio, há quarenta e cinco ou talvez cinquenta e cinco, ou quem sabe há setenta e cinco anos. Aconteceu há tanto tempo que a coisa fica confusa, precisá-lo é difícil, determiná-lo e compreendê-lo é complicado!”
“Enorme é o poder da intenção sobre os atos, diziam os sábios. Um homem pode caminhar uma hora e é possível que a fadiga o alcance antes de completá-la; em contrapartida, se decidir atravessar uma distância de dez horas, talvez só comece a se sentir cansado ao cabo de sete ou oito horas. O corpo se adapta às intenções, aos desejos do seu dono, dizia o hadramawti. Por ouvi-lo de pessoas confiáveis e por experiência própria, ele podia garantir que não havia limites para a adaptação do homem!”
“A existência humana tem forma circular, começa numa ponta e prossegue sua curva até o momento em que as coisas se aclaram, em que o fim e a origem se aproximam. O encontro ocorre no momento do poente.”