O Egito está de parabéns
Mesmo que tenha havido qualquer tipo de acordo secreto entre Muhammed Mursi e Hussein Tantawi, para quem está ao lado do povo, na Praça Tahrir, a tacada do presidente em cima do chefe do estado maior e seus asseclas foi brilhante. Os soldados velhos, subordinados ao Pentágono, receberam cada um seu pijama ornado com passamanes e ao mais jovem general foi dado um novo uniforme pesado de estrelas, como garantia de que cada um tem um tipo de cadeira onde sentar. Foi uma limpeza geral: no Conselho Supremo das Forças Armadas, nos comandos de Exército, Marinha, Aeronáutica e Defesa Aérea e no Ministério da Defesa. Os dois mais graduados, Muhammad Hussein Tantawi e Sami Hafez Annan, foram condecorados e nomeados para assessoria militar do presidente, um presente tipo up the administration que só representou uma promoção inócua ou, dito de outra forma, receberam robe de chambre de seda para vestir em cima do pijama, ou talvez um sinal de que não terão a mesma sorte de Muhammad Hosni Said Mubarak (1928 - ).
O substituto de Tantawi, como Comandante-chefe das Forças Armadas e Ministro da Defesa Abdul Fattah Khalil Al-Sissi, era o mais jovem membro do CSFA onde chefiava a Inteligência Militar. Al-Sissi tem a seu favor, ou contra ele, o fato de ter sido o primeiro militar a reconhecer de público a brutalidade de seus colegas contra os manifestantes, no ano passado, inclusive que os militares fizeram ‘testes de virgindade’ nas manifestantes mulheres.
O movimento presidencial pegou a todos, analistas e mídia, de surpresa. O espanto maior seria causado pela passividade dos milicos.
O ocorrido pôs um fim à luta pelo poder, entre civis e militares (Irmandade Muçulmana e Conselho Superior das Forças Armadas, como há quem prefere, dando nomes aos bois) que vem desde a queda do regime de Mubarak. Pelos recentes acontecimentos, parece que os militares perderam para os civis e a autoridade passou a ser exercida pelo presidente Mursi.
É inegavelmente uma reforma profunda, pois além de retirar o poder dos militares, foi também cancelada a assim chamada declaração constitucional que limitava o poder presidencial e dava aos fardados um amplo poder de decisão sobre praticamente tudo, desde a reestruturação das forças armadas até o orçamento governamental e as políticas internas e externas. No Egito, os militares foram apeados do poder como foram os seus colegas na Turquia, com a notável diferença que os egípcios foram dispensados em muito menos tempo que os seus colegas turcos.
O presidente atende, assim, a uma das mais importantes reivindicações revolucionárias do povo egípcio representadas pela intromissão militar no poder. Este é um dos pontos que facilitarão a marcha rumo à normalidade e à democracia.
O acontecimento no campo de segurança que serviu de estopim para o relatado acima foi evidentemente um ataque de militantes islamitas, no norte do Sinai, que deixou 16 soldados egípcios mortos.
É evidente que impedir o CSFA de se intrometer na política põe igualmente um fim, ou ao menos minimiza a crescente tensão entre Mursi e a Irmandade; confirma também a tendência bastante reclamada pela Praça Tahrir para o reforço do poder civil, rumo a uma estabilidade democrática.
A maestria de Mursi fica igualmente evidenciada pelo fato de escolher, para seu vice- presidente Muhammad Makki, um Juiz que liga duas pontas: é simpático à Irmandade, ainda que não a ela filiado, e tem um passado de luta, no campo jurídico, contra os desmandos ditatoriais de Mubarak. Esta nomeação, colocando a seu lado uma cabeça jurídica, preenche a necessidade de Mursi de se cercar de um conselheiro que o ajudará numa eventual necessidade de enfrentar o poder judiciário e até mesmo na orientação na redação da Constituição reclamada pelo povo egípcio e, até mesmo, acalmar os setores que temem que a Irmandade queira estabelecer um regime islamita, principalmente a Igreja Copta e outras minorias. O sino da Igreja copta, nunca é tarde de ser lembrado, já estava nas torres, antes mesmo do primeiro muezim subir a um minarete em mesquita egípcia; isto servirá de mais um exemplo egípcio para o que se anda fazendo, ou tentando fazer, com a religião em outros países da região, quer sejam árabes ou não.
Se o presidente egípcio conseguiu consolidar o seu poder político definitivamente ou não só o tempo irá confirmar, mas o povo egípcio, como demonstra a calma na Praça Tahrir, pode-se apostar que sim.
Aguarda-se agora uma solução para um problema maior no campo da Economia. A situação econômica do país do Nilo é deprimente, inclusive devido à paralisia das atividades por longos meses. Reativar a Economia só pode ser feito principalmente com aporte de recursos externos e não faltam promessas. O Qatar – que mantém bom relacionamento com a Irmandade Muçulmana do Egito – prometeu dois bilhões de dólares para ajudar a economia egípcia, a Líbia ofereceu depositar outros dois bilhões e os Estados Unidos anunciaram a disposição de colaborar com 550 milhões. Com estes valores é esperado que a libra egípcia mantenha sua estabilidade por este ano de 2012. Aguarda-se ajuda maior com apoio substancial externo liderado pelo Fundo Monetário Internacional.
A estabilidade política resultante das atitudes de Mursi, segundo dá para deduzir de relatos da mídia local e internacional, criou um clima favorável a novos investimentos externos. Alguns empresários do setor exportador do Brasil com os quais conversamos informam que têm sentido nestes últimos dias revigorada atividade por parte dos empresários egípcios e positiva resposta por parte destes aos contatos realizados por brasileiros. É um bom sinal esta reação imediata.
Tudo calmo, no Egito, tal as águas do Nilo? Nem tanto, pode-se afirmar: há movimentação militar no Sinai, escassez de energia, eleições dentro em breve, Assembleia Constituinte e redação da nova Constituição, comprovação da capacidade do próprio conselho executivo e um montão de reivindicações populares a serem atendidas e, não se pode esquecer, o povo egípcio mantém vigilantes acampados na Praça Tahrir!