Os jovens árabes nos lembram que transformação e vitória são possíveis
Não me lembro exatamente quando foi que participei de uma manifestação pela primeira vez em minha vida. As lembranças mais claras remontam a um período anterior à faculdade. Eram os anos 80. Anos interessantes aqueles, quando clamávamos por “Diretas Já”, depois de uma ditadura militar que durou mais de 20 anos. No entanto, as minhas lembranças mais remotas de manifestações me levam a essa mesma ditadura, na sua parte final.
Também foi no final da década de 70 e início dos anos 80 que vivíamos um movimento de solidariedade ao Povo Palestino. Naquela ocasião, participei das minhas primeiras manifestações pelos direitos do Povo Palestino, organizada por um Comitê de Solidariedade muito ativo e mobilizado, e por um movimento de descendentes árabes jovens chamado Sanaud. Como ainda não me classificavam na “categoria” de jovem, eu observava esse movimento com admiração e vontade de participar. Naquela época, me chamava a atenção que o movimento era composto de descendentes de árabes-libaneses, sírios, palestinos e muitos outros. Desde cedo, eu aprendi, meio que naturalmente, que estávamos lutando juntos, pelas mesmas coisas, pela mesma causa, que era a causa da liberdade e da autodeterminação. Muito mais tarde vim a entender a complexidade disso, mas essa é uma outra história e o que importava naquele momento eram os jovens árabes, fazendo sua luta, de maneira genuína, quiçá um pouco ingênua, mas cheia de legitimidade.
Esse movimento estava no contexto e no clima do fim da ditadura militar brasileira e do início da organização dos movimentos sociais em nosso país. Creio que foram grandes definidores da formação de uma parte considerável dos valores de uma geração. Para mim significou também um espécie de despertar pelos direitos inalienáveis da humanidade.
De lá para cá, participei de um sem número de manifestações por causas diversas, na luta pela democracia, na luta dos trabalhadores, no movimento estudantil, no movimento docente, na defesa da Universidade Pública. Além dessas, muitas outras por questões do Mundo Árabe, contra os conflitos, contra a opressão, pelos direitos do Povo Palestino, contra as Guerras no Iraque, os ataques ao Líbano, contra a ocupação e os bombardeios. Em todos os casos, infelizmente, foram manifestações permeadas de tensões, muitas de tristeza por tantas mortes e pelas injustiças, embora sempre com o desejo, a força e a luta por um outro mundo possível e mais justo.
Sexta feira, dia 11/02/11, vivemos um dia histórico para a democracia, para a luta dos que buscam os seus direitos e sua dignidade. Novamente os jovens de um país árabe, que boa parte do Ocidente acreditava morto como movimento de massa ou em adesão total ao fundamentalismo, se levantaram e deram ao mundo uma lição de cidadania. Paralelamente, neste mesmo dia, organizamos e participamos de uma manifestação também histórica. Creio que para muitos de nós, foi a primeira vez que fizemos uma manifestação em apoio à democracia e a liberdade de um povo, do Povo Egípcio, em que pudemos também celebrar a conquista desses valores. Devo dizer que teve um gosto diferente. Manifestação com sabor, sentimento e presença da vitória concreta, firme e entusiasmante.
Foi uma maravilha. E foi bonito ver, muitos de nós já não tão jovens (ou jovens há mais tempo, como diz um amigo), reviverem e renovarem o espírito revolucionário, junto com a vitória de um povo que se levanta. Isso eu realmente nunca havia sentido e é um sentimento de esperança e, principalmente, de força e de fé em nossa capacidade de lutar e de alcançar a transformação. Estamos em um momento histórico para os que amam e lutam pela liberdade. Respiremos esses ares, bebamos dessa água e renovemos com os jovens Árabes o sentimento de que a transformação e a vitória não são inalcançáveis, elas são perfeitamente possíveis.