Designer gráfico traz ao Brasil exposição "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra"
Qual é o objetivo do projeto "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra" e como ele é estruturado?
A exposição "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra" é composta por cartazes gráficos interativos que convidam as pessoas a colorir os mapas e desenhos dispostos na exposição. Ao longo da mostra é disponibilizado um discurso visual em torno das tensões sociais da vida cotidiana naquela região, propondo uma nova abordagem de pensamento sobre o conflito. O discurso é crítico, mas também irônico e, de uma forma descontraída, expõe a situação atual, através da nossa opinião. Encarando o design como ato de tradução (de informação textual em imagens), tentamos fazer com que o assunto retratado se tornasse de mais fácil leitura e compreensão. No fundo, vemos a exposição como uma campanha pessoal de sensibilização. Queríamos que mais gente pudesse compreender melhor o assunto, tendo como ponto de partida a nossa opinião. Queríamos tornar a informação acessível a pessoas que pouco ou nada sabiam sobre a situação. Para além disso, pretendíamos passar essa informação por meio de um canal diferente que não os da mídia tradicional, ou seja, por meio da arte.
Como surgiu a ideia do projeto Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra?
Viajei à Palestina com o intuito de conhecer uma realidade que já me era muito familiar, embora apenas pelos meios de comunicação. Mas foi somente um ano após a minha viagem, ao ter contato com a exposição “Sometimes Doing Something Poetic Can Become Political and Sometimes Doing Something Political Can Become Poetic” do artista Francis Alÿs, que tive a ideia de desenvolver o meu projeto. Daquela exposição fazia parte um documentário em que o artista aparece delineando a Linha Verde (fronteira internacionalmente reconhecida entre Israel e Palestina, mas que não existe na realidade) com latas de tinta verde. Foi exatamente o contato com essa obra que estimulou em mim o desejo, a intenção e, essencialmente, a consciência de que poderia produzir um gesto artístico que transmitisse as minhas conclusões sobre a experiência na Palestina e em Israel. Apesar da ideia original ter sido minha, o desenvolvimento do projeto contou com a participação de Adam Kershaw, que me acompanhou na viagem à Palestina.
Por que você deu esse nome para o projeto?
Optamos por utilizar esta frase – "Uma Terra Sem Gente Para Gente Sem Terra" – como título da exposição porque sentimos que, ao apropriarmo-nos de um slogan atribuído ao movimento sionista, permitiríamos a sua utilização retórica. A frase refere-se diretamente à Palestina como uma terra supostamente sem população nativa e aos judeus como um grupo étnico deslocado, espalhado por todo o mundo, sem território próprio. Como a exposição tem o papel de promover um debate entre todos aqueles que interagem com ela ao acrescentarem a sua opinião e assim por diante, o título funciona como uma espécie de pergunta retórica, cuja resposta se encontra nos próprios cartazes. De certa forma, quisemos desmitificar e desconstruir a expressão e, no cartaz da exposição, convidar as pessoas a riscarem a parte da afirmação que é falsa, com base nas informações que disponibilizamos. Sabíamos que o título seria considerado irônico e/ou provocador, mas era exatamente isso o pretendido pois vai ao encontro do espírito da própria exposição.
Que efeito você acha que a interatividade proporcionada pela exposição causa no público no sentido de compreender a mensagem que você quer passar?
Normalmente, associamos a interatividade como algo exclusivo dos sistemas multimídia. Porém, gosto de explorar no meu trabalho a interatividade com materiais "arcaicos", de fazer com que as pessoas interajam e manipulem o papel. Esse jogo de colorir, esse regresso à nossa infância, é muito mais apelativo pois recorre à nossa memória coletiva, ao vernáculo. Ao assumir a intervenção como parte integrante do projeto, apelamos a um envolvimento mais ativo do visitante no assunto retratado. Muito da informação de alguns cartazes só se consegue obter depois da intervenção. Ou seja, o visitante não tem apenas uma atitude passiva perante a obra artística. A obra só fica completa depois da intervenção, o que implica um envolvimento direto do visitante com o assunto. As pessoas reagem muito bem por meio desse tipo de estímulo, algo que os meios de comunicação já não conseguem muitas vezes fazer.
Qual era a sua ideia sobre a Palestina antes de você ir até lá? Qual foi a sua percepção na volta?
A viagem aos territórios palestinos e a Israel permitiu-me ter uma percepção completamente distinta da situação da região. Aos meus olhos, o conflito não é tão grave do ponto de vista armado (ataques, bombas, tiroteios – praticamente as únicas notícias que chegam da região até nós), mas é tremendamente mais chocante em aspectos da vida cotidiana (falta de liberdade de movimento, recolher obrigatório, incursões militares, checkpoints, segregação da sociedade, etc.). Essas informações não chegam até nós por não serem suficientemente "midiáticas". Os pratos da balança estavam bem mais desequilibrados do que tinha percebido até então.
Quando você esteve na Palestina e quanto tempo ficou por lá?
Passei três semanas na cidade de Nablus, na Cisjordânia, e uma semana a viajar pelo sul de Israel, no verão de 2006. Na época, no norte, decorria a guerra com o Líbano.
Quando você montou a exposição?
A exposição foi iniciada em 2007 e dois anos depois lançamos um livro. O livro contém versões atualizadas das imagens e textos incluídos na exposição, em conjunto com novo material produzido especificamente para esta publicação, onde também são descritas as diferentes fases da sua produção e documentação, assim como o contexto político e de design através de textos escritos pelos autores. Para além disso, colaboradores de diferentes contextos profissionais e culturais foram convidados a responder ao formato e ao conteúdo da exposição de acordo com as suas próprias perspectivas.
Onde é possível encontrar o livro para comprar?
Tanto a edição como a distribuição são asseguradas pelos autores, pois o livro é uma edição de autor. Neste momento o livro apenas se encontra disponível numa rede selecionada de livrarias em Portugal. Estamos também a tentar implementar a venda online. Felizmente, a primeira edição de mil exemplares está perto de esgotar. No Brasil ainda não foram criadas condições para se editar e/ou distribuir o livro. Propostas são muito bem vindas!
Qual foi o retorno que você teve do público brasileiro em relação à exposição? Foi diferente do que você viu em outros países nos quais a exposição já passou?
Nas várias apresentações que a exposição teve, as reações foram muito diferentes tanto em nível de conversas que mantive com as pessoas nas respectivas inaugurações como nas intervenções deixadas pelo público nos cartazes. Em Berlim, houve uma maior contextualização do tema retratado tanto pelas várias menções ao Muro de Berlim como pela questão judaica ser ainda um assunto muito sensível na Alemanha nos dias de hoje. Esses fatos parecem ter proporcionado maior interação do público com a exposição. Em Hobart, na Austrália, ocorreu um interessante debate sobre colonialismo e reconhecimento de direitos da população indígena e autóctone. No Brasil, também houve interessantes debates sobre questões semelhantes.
O Brasil foi o primeiro país da América Latina por onde a exposição passou?
Sim, o Brasil foi o primeiro país não só da América Latina, mas de toda a América.