O ICArabe contribui para a construção de uma cultura de paz, afirma novo presidente do Instituto
Por Arthur Gandini
“O Instituto da Cultura Árabe vem cumprindo uma missão muito importante do ponto de vista de colaborar com o mundo inteiro para a reconstrução da harmonia e do diálogo e, quem sabe um dia desses, para a construção de uma cultura de paz”. É assim que o egípcio Mohamed Habib, eleito presidente do ICArabe em assembleia realizada dia 29 de outubro, define a caminhada do Instituto em seus atuais 13 anos de existência.
Graduado pela Universidade de Alexandria, doutor, livre-docente e professor titular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o acadêmico exalta a nova diretoria e a comunidade do Instituto como “excelentes intelectuais e pensadores” e pessoas que aderem à causa voluntária do ICArabe “com muita eficiência e carinho”. O novo presidente pontua como um dos atuais desafios a sempre busca pelo trabalho coletivo: “Temos que fazer um trabalho de maestro para que todos possamos afinar as cordas e continuar com a sua linha de pensamento, a sua liberdade e autonomia dentro de uma (orquestra) sinfônica. Aí os ouvintes da sinfônica vão adorar, vão gostar e não vão perceber nenhuma desafinação e, com isso, também sairemos no fim da apresentação sinfônica felizes, bem satisfeitos e realizados”, afirma.
Habib também comentou o atual cenário mundial e do Oriente Médio, os desafios de ir além da estereotipagem do povo árabe e as eleições presidenciais dos Estados Unidos. “Os Estados Unidos são os Estados Unidos. Se alguém está sonhando que republicanos ou democratas vão mudar alguma coisa na política internacional, todos nós saímos totalmente enganados”, declarou.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Portal ICArabe – Qual é o papel do Instituto da Cultura Árabe na promoção da cultura árabe no Brasil?
Mohamed Habib – Nós intelectuais que participamos desde o seu início precisamos rever, periodicamente, a missão do Instituto e adaptá-la, tanto à nossa realidade – como intelectuais que trabalham de forma voluntária e por um ideal bonito – como também, de vez em quando, por conta da evolução da conjuntura mundial que se refere à inserção do mundo árabe nas agendas do dia a dia desse planeta. O Instituto nasceu por um ideal que já via no horizonte grandes ameaças pelas quais o mundo árabe, em geral, poderia passar, e que essas ameaças podiam representar um grande significado quando se trata da visualização do árabe e da sua cultura pelos povos não árabes. Esses dois conjuntos estavam presentes quando um grupo de intelectuais decidiu criar um Instituto da cultura árabe. Foi pouco tempo após o falecimento de Edward Said - um grande intelectual de origem palestina, que estudou e viveu no Egito e nos Estados Unidos. A morte dele, que trabalhou a vida inteira para mostrar para os diferentes povos, através da sua produção intelectual, a cultura e a história dos povos árabes, os problemas da estereotipagem do árabe, a história dos países dominantes colocarem o árabe sempre como selvagem e agressor, como pretexto para justificarem interesses naquela região. O Edward Said foi um exemplo de intelectual que, durante toda a vida, com sua caneta produzia produtos acadêmicos de altíssima importância, e que sua morte para nós significava uma enorme perda. Em função disso, entendemos, na época, que uma organização não-governamental seria importante, aqui no Brasil, para manter essa chama e outras pequenas chamas sempre acesas. De lá para cá, mostrou-se claramente que o mundo tende a piorar nas relações geopolíticas, nos valores de convívio e direitos humanos.
A presença do Instituto foi muito importante até agora nesse sentido de mostrar à sociedade brasileira, aos que acessam o nosso site e aos que participam dos nossos eventos um pouco da cultura árabe, da história dos povos e das relações carinhosas que o Brasil tem com os árabes, que não é de hoje, e sim, desde o início da presença de povos não-nativos nessa terra abençoada. O Instituto da Cultura Árabe vem cumprindo uma missão muito importante do ponto de vista de nós brasileiros, do ponto de vista dos povos árabes e do ponto de vista de uma interação que pode colaborar muito com o mundo inteiro, para a reconstrução da harmonia e do diálogo e, quem sabe um dia desses, para a construção de uma cultura de paz.
Esse foi o início do Instituto. Passamos por 13 anos. O mundo está mudando, o Brasil e as relações humanas estão mudando, a relação entre a elite internacional e os demais povos está mudando. Precisamos acompanhar essa evolução para nos preparamos para que nossos discursos e nossas atividades possam continuar cada vez mais eficientes e coerentes com a missão essencial do Instituto. Nossos desafios agora vão ser no sentido de adaptar o trabalho do Instituto, a gestão, a direção e as ações para que a organização possa navegar com sucesso, embora o oceano esteja muito bravo. Com muito trabalho de todos nós, tenhamos certeza que possamos navegar de uma forma mais segura, embora bastante trabalhosa, para que possamos honrar nosso compromisso como voluntariado, em uma instituição de voluntariado, para que nós possamos dar ao Brasil um pouco do que ele merece de filhos de imigrantes e intelectuais brasileiros que estão abraçando essa causa do ICArabe e estão participando com muita eficiência e carinho. Nossos compromissos são muito diversificados, mas acredito que, com muita vontade de todos nós – embora sejamos poucos e as energias, limitadas – vamos continuar avançando muito.
Portal ICArabe - Como é a nova diretoria do Instituto?
Mohamed Habib - Todos são excelentes intelectuais e pensadores. De um modo geral, a nossa comunidade do Instituto são excelentes pessoas. Entretanto, como se trata de uma instituição não-governamental, sem fins lucrativos e que tem dificuldades financeiras e de gestão, provavelmente o primeiro desafio que temos que desenvolver nesse processo - que podemos chamar de adaptativo para as novas realidades regionais, locais, continentais, nacionais e mesmo globais – será buscar o máximo de esforço para criar mecanismos eficientes para aproveitar da capacidade individual dentro de uma ação participativa onde todos nós devemos participar e atuar, tipo uma orquestra sinfônica. Nós árabes, de um modo geral, temos uma característica: como indivíduos, os árabes são excelentes. Têm esforço próprio, são batalhadores, lutadores, aguentam as dificuldades e os sacrifícios, gostam de suar a camisa, aguentam o tranco como indivíduos e são bastante criativos. O problema na cultura árabe, de modo geral, é que os árabes sofreram - principalmente nos dois últimos séculos – campanhas bastante violentas para derrubar a cultura anterior que existia, aquela do trabalho coletivo, da união, de otimização do trabalho participativo. Os árabes foram vítimas de campanha de individualização, de rachas e divisões para que o outro interessado saísse com proveitos dessa desunião. Infelizmente, nós herdamos isso. Então, provavelmente, um dos desafios que vamos ter é aproveitar a qualidade individual de nossa capacidade com o mínimo de gasto energético de cada um. Só que isso tem que ser com o trabalho coletivo e fruto do trabalho participativo para que possamos ter o prazer coletivo de trabalhar no Instituto da Cultura Árabe. Todos na diretoria são excelentes, mas temos que fazer um trabalho de maestro para que todos possamos afinar as cordas e continuar com a sua linha de pensamento, a sua liberdade e autonomia dentro de uma sinfônica. Aí os ouvintes da sinfônica vão adorar, vão gostar e não vão perceber nenhuma desafinação de ninguém e, com isso, também sairemos no fim da apresentação sinfônica felizes, bem satisfeitos e realizados. Temos de buscar mecanismos de afinação coletiva. Façamos a adaptação às realidades de hoje e trabalhemos para afinar todas nossas cordas e tocar uma sinfonia que agrade à sociedade e a um país que espera isso de nós.
Portal ICArabe - Como o senhor vê o atual cenário mundial e no Oriente Médio?
Mohamed Habib - Esse é um dos nossos grandes desafios, é um terceiro desafio. A situação do Oriente Médio tem a ver com o Instituto? Claro que tem. Temos tudo a ver com o que está acontecendo lá hoje. De um lado, temos que abrir um espaço muito grande de discussões, seminários, palestras e eventos que tenham como objetivo principal entender o que se passa no Oriente Médio e o que está por trás de tudo isso. Será que surgiu uma mutação árabe totalmente bagunçada, atrapalhada e incompetente, de psicopatas, malucos, um matando o outro, ou isso é o fruto de um trabalho arquitetado de uma forma muito bem sofisticada no campo geopolítico e no campo de política internacional? Temos o dever de entender tudo isso e apresentá-lo para a sociedade brasileira. É uma missão importantíssima que temos que assumir, só que há outra missão nesse campo. Internamente, dentro do Instituto, podemos ter colegas, amigos, irmãos, companheiros na mesma instituição: um tem uma visão político-ideológica “A” e outro tem uma visão “B”, “C”, ou “D”, ou “F” – qualquer visão diferente – essa variação precisa ser mantida e respeitada. O Instituto não tem o papel de homogeneizar a consciência e filosofia de todos nós, justamente o contrário. Queremos diversidade intelectual cada vez maior para que nós possamos cada vez mais contribuir corretamente para a sociedade. No entanto, isso implica em saber respeitar a visão do colega e o colega saber respeitar a minha visão e nós dois sabermos como construir, a partir dessa diversidade intelectual, apresentar um produto de qualidade para que o ouvinte, o telespectador, o leitor, a sociedade possa analisar em uma forma de raciocínio acadêmico. É um desafio nos treinarmos, inclusive eu tenho que aprender com todos a conviver com o pensamento diferente. O que acontece hoje no Oriente Médio cria esse desafio para que nós possamos manter essa diversidade em prol de observar corretamente o que se passa lá. Entendo que o Oriente Médio está sendo vítima de um jogo geopolítico liderado pela elite internacional que não está interessada nos direitos humanos, nem no futuro da humanidades, mas apenas no seu imediato interesse, custe o que custar. Não é uma nova postura da elite mundial, é uma concepção que existe desde que se formaram as elites. É a natureza do ser humano, é o nosso homo sapiens - que de sapiência tem muito pouco – ele sempre foi assim. Nós temos que usar através da intelectualidade que nós temos, elucidar o que se passa no Oriente Médio, no qual milhões se tornam vítimas, morrem nos mares e chegam mortos às praias europeias e, ainda há países que acham que os árabes são terroristas. Esse quadro tem de ser mudado. Temos um desafio muito grande. Só que eu entendo como um provérbio árabe milenar diz: “todo o recipiente só pode oferecer aquilo que tem dentro dele”. Se temos uma missão de mostrar o que se passa no Mundo Árabe, temos que nos organizar, nos capacitar, nos qualificar, nos unir ao redor de um projeto sólido e criarmos a metodologia correta para que possamos ter a qualidade que nos dê o crédito para exercer essa missão, o que não vai ser muito simples.
Portal ICArabe – Como o senhor vê a atual eleição presidencial dos Estados Unidos?
Mohamed Habib - Os Estados Unidos são os Estados Unidos. Temos que entender as eleições daquele país, ampliando sempre a escala do tempo. Se alguém está sonhando que republicamos ou democratas vão mudar alguma coisa na política internacional dos Estados Unidos, todos nós sairemos totalmente enganados. A relação dos Estados Unidos com o mundo é um projeto institucional de curto, médio e longo prazo, criado por instituições especializadas nisso, independentemente de quem, ou e qual partido seria o presidente. Isso precisa ficar claro para todos nós. O projeto é construído há séculos e continua seguindo o mesmo rumo e direção. Diferença entre republicanos e democratas é um estilo de gestão. Um vai fazer isso de terno azul, o outro de outra cor, os dois têm o mesmo projeto, mas os meios podem diferenciar um pouco. Um tem uma postura de mais sorriso e doçura, outro de mais bravo, mais briguento. Os dois têm relações muito fortes com alguns amigos e têm interesses muito fortes com outros que não são amigos e assim desenham a política deles. Do ponto de vista norte-americano, eles têm direito a entender isso. Mas nós que estamos fora desse limite, cada povo tem de se preocupar com o seu próprio interesse. Tudo que nós pedimos como uma instituição não governamental e não tem nenhuma finalidade além de mostrar a realidade, tudo que queremos é divulgar sempre a informação correta e a análise justa. O nosso objetivo é de esclarecer situações para a sociedade civil e contribuir cada vez mais para a construção da cultura de paz e de relações harmônicas entre os povos, pois não é mais sustável o planeta continuar com essa segregação e esse antagonismo geopolítico. Devemos lembrar sempre que um antagonismo acompanhado por altas tecnologias coloca o mundo todo em situações de risco de extensão imediata. Nosso papel é contribuir para o resgaste da harmonia entre grupos, povos e países.