Raja Amari fala sobre fazer cinema na Tunísia
Diretora de "Segredos enterrados", Raja Amari foi a convidada de honra do encerramento da 6ª Mostra Mundo Árabe de Cinema. Nascida em Tunis, em 1971, fez mestrado em Literatura Francesa e Civilização pela Universidade de Tunis. Mais tarde estudou cinema em Paris, na École National Supérieure dês Métiers de Image ET Du Son (Femis). Dirigiu seu primeiro curta-metragem, "Le bouquet", em 1995, seguido por "Avril" em 1998. Em 2002, Amari escreveu e dirigiu seu primeiro longa, "Satin Rouge". Recebeu, entre outros, os prêmios de melhores diretora, no Seattle International Film Festival, e filme, no Festival Internacional de Torino. "Segredos enterrados" é seu segundo longa e foi selecionado para a competição Orizzonti no Venice Film Festival 2009, Abu Dhabi Festival e Doha Festival.
Leia abaixo a entrevista.
O que te motivou a fazer cinema?
Acho que por ser uma boa forma de expressar ideias, tocar pessoas de forma imediata. Eu gosto muito de cinema.
Você acredita que o cinema é uma ferramenta importante para que o Ocidente compreenda melhor o mundo árabe?
Eu não acho que esse seja o papel do cinema, fazer com que uma cultura seja entendida. O cinema é feito de histórias, personagens, para mim é uma coisa íntima.é poder dizer certas coisas e poder compreender a complexidade de certas coisas que dizem respeito às questões humanas, coisas universais, que podem representar uma realidade e que no final você até acaba entendendo a cultura, mas é uma consequência. É diferente quando você filma um documentário, cujo objetivo é filmar diretamente uma determinada coisa. A ficção é diferente.
O que fez com que você tivesse a ideia para o filme "Segredos enterrados"?
É um processo complicado. Não é auto-biográfico, principalmente este filme. Eu parto das personagens para fazer uma pesquisa dessa personalidade que será representada. Eu parto de um personagem e daí desenvolvo todo o restante da história. Neste filme eu mesma escrevi o roteiro. Aisha é a personagem principal, que vive isolada e que aspira a uma outra condição. E as demais personagens tem medo de que ela se torne adulta, e se torne uma mulher. Elas querem mantê-la na infância, têm medo de questões como o desejo
E Aisha gostaria de ser uma menina ocidental?
A questão não tem a ver com ocidente versus oriente, tem a ver com a liberdade e sua vontade de se libertar. A questão não é o moderno versus arcaico, é uma questão de choque de gerações, um problema universal e não localizado.
Quais são as condições da produção cinematográfica na Tunísia?
Não é fácil fazer filmes em lugar algum. Na Tunísia, por exemplo, há um fundo público para filmes, mas o dinheiro não é suficiente, os orçamentos são pequenos então sempre temos que fazer co-produções internacionais para concluir os filmes. Há pouquíssimos filmes realizados somente por tunisianos.
E como acontece a distribuição? Os filmes tunisianos são vistos pela população local ou somente em festivais internacionais?
A distribuição também é difícil. Os filmes tunisianos são exibidos no país, mas é muito difícil assistir filmes de outros países árabes, por exemplo. Filmes argelinos, sírios, não há comunicação entre os filmes do Mundo Árabe, o que é uma pena. Há principalmente filmes comerciais dos Estados Unidos nas salas de cinema. Há interesse, mas a distribuição vai pelo caminho mais fácil, diz que os sotaques são diferentes, mas esse não é o problema real. A questão é que eles não querem se arriscar e mostrar nossos filmes. A distribuição internacional também é difícil, pois o elenco, os atores não são conhecidos, é difícil ter público.
Há censura do Estado já que os filmes recebem financiamento público?
Sim, claro. Agora não sabemos como vai ficar após a revolução, mas até então havia censura política. Os filmes podem falar de tudo, menos de política. Sexualidade é ok, mas política não, ao menos na Tunísia. Eu sei que meus filmes não são exibidos em outros países por abordarem questões com o desejo, sexualidade, mas lá não há problema. Não sabemos como será daqui para frente, mas espero que as coisas melhorem.
E como é a reação do público ao cinema tunisiano?
É complicada, pois as pessoas realmente vão ao cinema assistir aos filmes tunisianos, mas são extremamente críticos em relação a eles, falam mal depois. Também não temos muita salas de cinema, há cada vez menos por conta dos dvds piratas, além pouquíssimos filmes sendo produzidos, em média três ou quatro por ano apenas, não temos uma indústria cinematográfica.
Os filmes tunisianos passam na televisão?
Os meus não. Às vezes em TV a cabo, mas não na TV aberta.