Cidade de imigração marroquina ganha documentário
O foco é, na verdade, o distrito de Mazagão Velho, que deu origem ao município e onde desembarcaram os marroquinos. Ali nasceram a professora de História Josiane Brito, 29 anos, e o agricultor Jozué Videira, 48 anos, cujas vivências em relação à imigração e seu legado serão mostradas no documentário. Os dois passaram quatro dias do mês de março em El Jadida, cidade marroquina de onde vieram os imigrantes, juntamente com o diretor do filme, o canadense Gavin Andrews, e com uma produtora.
Os imigrantes que povoaram Mazagão, porém, não são árabes, mas portugueses e negros. Eles foram trazidos ao Brasil por Portugal, depois que o país europeu perdeu para os muçulmanos o domínio de onde hoje fica El Jadida. A comunidade de Mazagão Velho reconta a história dessa vinda todos os anos, em uma celebração chamada Festa de São Tiago, que ocorre nos meses de julho. Mas na encenação feita na festa, na qual cristãos portugueses lutam com os mouros, a vitória é dos primeiros.
O diretor Andrews conta que um dos objetivos da viagem de Josiane e Jozué foi que eles ouvissem a outra versão dessa história, a dos árabes muçulmanos. O que aconteceu de fato é que os portugueses fugiram do Marrocos ao perderem o domínio, relata o cineasta. De acordo com o canadense, os dois ficaram muito emocionados com essa volta às origens. A cidade de El Jadida promoveu um evento em função da viagem dos amapaenses, com presença de representantes da prefeitura local e do embaixador do Brasil em Rabat, José Humberto de Brito Cruz.
Os dois viajantes foram escolhidos pelo diretor do documentário, já que são vistos por ele como transmissores da história de Mazagão Velho, principalmente aos mais jovens. “Eles têm muito orgulho do seu passado”, diz Andrews. Josiane não mora mais no local, dá aulas fora, mas volta todos os finais de semana para lá. Jozué é chamado por Andrews de mobilizador cultural, já que dá aulas de música e desenvolve atividades culturais com os moradores do distrito de Mazagão Velho.
A dupla deve agora transmitir aos demais integrantes da comunidade o que ouviu e viveu em El Jadida. De acordo com Andrews, o desfecho da encenação da Festa de São Tiago, no qual os cristãos vencem, é baseada nos acontecimentos da Península Ibérica a partir do século oito, quando ela foi dominada pelos mouros e depois retomada pelos cristãos. O cineasta conta que o seu filme não será focado na festa, sobre a qual ele já fez um documentário etnográfico para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O atual documentário surgiu do interesse de Andrews pelo tema. Morando no Amapá por quase 15 anos, o cineasta conhecia a história. A festa de Mazagão Velho é um dos principais eventos culturais do estado. Em função da vontade de tratar o tema no cinema, o canadense viajou a El Jadida em 2002 para fazer pesquisas. A oportunidade de filmar surgiu com a abertura de um edital da Ancine em 2014. O projeto foi aprovado no ano passado e as filmagens começaram em 2016. Em janeiro elas foram feitas em Mazagão.
O argumento do documentário é de Andrews e a co-direção é de Cassandra Oliveira. O filme é feito pela Castanha em parceria com a produtora Espaço Vídeo, de Roraima. Além da história das origens, também faz parte do documentário a preocupação dos moradores com uma possível transformação cultural de Mazagão Velho, que atualmente pode ser acessado por meio de uma balsa (antigamente eram duas) sobre o rio, e vai ganhar uma ponte.
Andrews voltou do Marrocos no último final de semana e começará agora o trabalho de edição. Se necessário, ele voltará a Mazagão Velho em maio para filmar. Atualmente o diretor está morando no Rio de Janeiro. O filme precisa estar finalizado até o final de outubro, segundo exigências do edital do qual recebeu recursos. Ele será exibido, em seu primeiro ano, em canais públicos e educativos de televisão.