Sírios representam 35% dos mais de cinco mil refugiados reconhecidos no Brasil, segundo professora da UEPB
Por Suely Melo
Dos mais de 22 milhões de refugiados no mundo, mais de cinco milhões vieram da Síria. No Brasil, eles são 35% dos mais de cinco mil refugiados reconhecidos no país, conforme a Convenção de 1951 e a Lei 9474/1997. Quem explica é a advogada, socióloga e professora adjunta do Curso de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Andrea Pacheco.
Ela foi uma das palestrantes do I Congresso Internacional de Direito, Economia, Educação e Geopolítica - Refugiados, Transformações Globais, que aconteceu em Fortaleza, no Ceará, de 12 a 14 de novembro, organizado pela fotógrafa e estudante de Relações Internacionais Karine Garcêz. O evento discutiu a quantidade crescente de refugiados no cenário internacional.
“Esse alto número de refugiados sírios se explica pela crise humanitária existente no país, que faz com que a Síria seja atualmente o país com maior envio de refugiados no mundo”, frisa a especialista, que criou e coordena o Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais (NEPDA) da UEPB, além de co-coordenar a Cátedra Sérgio Vieira de Mello na Instituição. No Brasil, afirma Andrea, “os sírios chegam, muitas vezes, solicitando refúgio com base no princípio jurídico nacional e internacional de reunificação familiar, pois há uma grande quantidade de sírios e descendentes que aqui residem”.
Refúgio no Brasil
A professora lembra que o Brasil recebe refugiados desde o final da Segunda Guerra Mundial, tanto como resultado de escritórios instalados pelo Governo brasileiro na Europa para rastreá-los e reassentá-los no país, como também em virtude do trabalho religioso realizado pelas Cáritas. “Contudo, a lei brasileira de proteção a esta categoria de pessoas vulneráveis foi criada apenas em 1997 (Lei 9474). Esta lei é reconhecida como uma das mais completas do mundo, no sentido protetivo de direitos, com criação do Comitê Nacional de Refugiados (CONARE) e ampliando a definição de refúgio da Convenção de 1951, ou seja, também reconhecendo como refugiado aquele que está fora de seu país, em virtude de grave e generalizada violação de Direitos Humanos”, destaca.
Ainda, segundo Andrea, o governo brasileiro baseia sua proteção aos refugiados em um sistema tripartite, formado pelo Governo, pela Cáritas (i.e. Sociedade civil) e pelo ACNUR (agência da ONU para Refugiados, i.e. sistema ONU). “A implementação de normas positivamente reconhecidas não implica, no entanto, em criação e implementação de políticas públicas padronizadas e eficazes no país, levando os refugiados que aqui chegam a episódios de violência, xenofobia, discriminação e preconceitos, apesar dos direitos garantidos pelo governo brasileiro, como acesso à educação, SUS, CTPS (i.e. relações de emprego) e segurança”,
Desafios
A especialista diz que o primeiro e básico desafio encontrado pelo refugiado ao chegar no Brasil é burocrático. “O procedimento da determinação da condição realizado pelo sistema tripartite acima citado, que se inicia na fronteira, particularmente pela falta de documentos comprobatórios e desconhecimento do idioma português”, ilustra. “Depois, há dificuldade de integração no mercado de trabalho, muitas vezes pelo idioma e também por preconceito e discriminação contra o estrangeiro”, enfatiza.
Andrea elenca outros desafios: “o acesso à educação, pois precisam trabalhar para manutenção; saúde, principalmente por não conhecerem o idioma local; habitação, pois não possuem condições financeiras nem conhecidos para auxiliarem no contrato de aluguel como fiadores, além da falta de conhecimento das normas pelos corretores e funcionários dos bancos”.
Significado do congresso sobre o tema para o Brasil
Andrea Pacheco ressalta que o congresso realizado em Fortaleza para debater a questão do refúgio foi de suma importância. “O Brasil ainda tem dificuldade de aplicar políticas ampliadas para recepção e acolhimento a refugiados e outros migrantes forçados, utilizando-se muitas vezes de precedentes, como a criação do visto por motivos humanitários para haitianos, sem haver contudo um regime padronizado”, comenta.
Ainda neste sentido, de acordo com ela, há também o regime de migração (Lei 13445/2017 c/c Decreto 9199/2017) e o de refugiados (Lei 9474/1997), que deveriam ser implementados de forma mais padronizada para auxiliar na proteção dos refugiados convencionais (baseados na Convenção de 1951) e outros migrantes forçados. “Assim, iniciativas acadêmicas são valiosas para conscientizar a população do dilema enfrentado por estes vulneráveis e da necessidade de protegê-los e inseri-los na sociedade local. Eles podem facilmente ser integrados, independentemente da bagagem cultural (i.e. idioma e religião) trazida por eles do país de origem”, completa a especialista.
Andrea Pacheco destaca, ainda, que o acolhimento aos refugiados em comunidade locais pode trazer desenvolvimento econômico, social, político entre outros ao país de acolhimento (ao governo, à sociedade local e aos próprios refugiados). “Eles produzem capital social - redes de confiança e cooperação - que leva ao desenvolvimento econômico, democracia e formação de recursos humanos e são capazes de serem e se sentirem úteis no local de acolhimento”, conclui.