A necropolítica de Israel que mata palestinos pelo Covid-19
Por Francirosy Campos Barbosa
Neste momento de pandemia mundial, sabemos que alguns vão morrer antes que outros, e quase sempre estão no grupo do risco ou no círculo de violências cotidianas como é o caso da Palestina ocupada por um Estado sionista, violador de direitos humanos e racista, que é Israel. O filósofo camaronês Achille Mbembe evidencia em seu livro Necropolítica, ensaio publicado em 2006 na revista Raisons Politiques, “que a expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”. Há décadas que Israel dita à morte de milhares de palestinos, e não seria diferente neste momento em que o mundo para diante de uma pandemia.
Nos últimos dias lemos matérias dizendo de uma suposta aproximação entre Israel e da Palestina neste período de Covid-19. São informações falsas, conforme consegui apurar com pessoas que residem na Palestina. Os primeiros casos de contaminação foram em Israel e eles não tomaram nenhuma medida de prevenção, ao contrário, depois de contaminar palestinos que trabalham em Israel os colocaram de volta nos check-points, sem nenhuma assistência ou prevenção contra novas infecções.
A violência de não se preocupar com o ser humano foi relatado em uma matéria no qual um homem foi encontrado no chão nos arredores da vila de Beit Sira, a oeste de Ramallah, deixado por seu empregador israelense. Vários trabalhadores palestinos foram contratados, desde que não saíssem do território israelense, entretanto, no menor sinal de febre são abandonados à sorte por soldados israelenses. Não há respeito à vida humana, e nenhum tipo de responsabilidade por parte desses empregadores. Aos palestinos, quando não morrem pelas bombas e balas dos soldados de Israel, cabe morrer de fome (por não conseguirem trabalho) ou morrer por coronavírus.
Abandonar uma pessoa doente à própria sorte, nos remete novamente a questão posta por Mbembe: “se a noção de biopoder é suficiente para a compreensão das maneiras contemporâneas em que a política, através da guerra, faz do assassinato do inimigo o objetivo primeiro e absoluto?”. Certamente que sim, quando se trata da violação de direitos vivida por palestinos. O necropoder é uma tese pós-colonial que está fincada nos pressupostos da crítica ao colonialismo, e a Palestina ocupada é fruto desta colonização racista e genocida promovida pelos ocupantes sionistas.
Importante destacar que segundo Mbembe a necropolítica faz parte do necropoder, e ele não as usa como sinônimos. O autor propõe que a noção de necropolítica e necropoder explica as “várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, armas de fogo são implantadas no interesse da destruição máxima de pessoas e da criação de ‘mundos de morte’, formas novas e únicas da existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de “mortos-vivos”.
Uma moradora da Cisjordânia me informa que o discurso de Israel é dizer que a cidade de Belém faz parte de Israel, entretanto, quando se trata de Covid-19, o governo Palestino que resolva. Ela conta que o vírus se espalhou rapidamente, porque Israel não fechou as fronteiras e nem determinou nenhum tipo de quarentena. A situação vem piorando nos últimos dias. Há pelo menos 43 mulheres prisioneiras palestinas mantidas nas prisões de ocupação em condições difíceis, sem os procedimentos para prevenir o vírus Corona. A OMS declarou que Israel deve se responsabilizar pela questão do Covid-19 na Palestina; em segundo lugar fica o governo da Palestina e; em terceiro lugar, o Hamas. Mas sabemos muito bem que Israel continua violando os direitos palestinos e não zela por suas vidas.
Vidas Palestinas importam! É preciso estar atento a todo ser humano que não é tratado com dignidade. A ocupação da Palestina é fruto da intersecção entre a biopolítica e a necropolítica. A opressão exercida sobre os corpos palestinos deixados para morrer à sua própria sorte, é mais um lado do nefasto terror da necropolítica de Israel, que se constitui num apartheid vivido no cotidiano pelo povo Palestino, que acontece na forma da proibição de acesso a determinados assentamentos, a proibição da entrada de socorro humanitário e medicamentos em Gaza e a proibição do exercício de um direito fundamental de qualquer ser humano, que é o de ir e vir, controlados por mais de 500 check-points armados e prontos para impedir o livre deslocamento de palestinos.
Francirosy Campos Barbosa Antropóloga, docente Associada ao Departamento de Psicologia da FFCLRP/USP, pós-doutora pela Universidade de Oxford, coordenadora do GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes.
Artigo publicado originalmente no portal Instituto Brasil Palestina