Fotógrafo descendente retrata viagem ao Líbano em fotolivro

Qui, 15/04/2021 - 22:03

 

Neto de libaneses, Bruno Bou Haya viajou ao Líbano em julho de 2019 e lançou recentemente o fotolivro ‘Deus também descansa’, com paisagens de Norte a Sul do país e imagens do cotidiano da aldeia de seus avós.

Por Bruna Garcia/ANBA

Para celebrar os setenta anos da vinda de seus avós libaneses ao Brasil, o fotógrafo Bruno Bou Haya viajou pela primeira vez ao Líbano com sua mãe, em julho de 2019. A partir das fotografias da viagem de Norte a Sul do país, incluindo a aldeia de seus avós, em Beit Menzer, Haya lançou o fotolivro “Deus também descansa”, pela editora Vento Leste.

“Minha mãe já tinha ido ao Líbano com minha avó. Já eu, que não conhecia e tampouco conheci meus avós libaneses, fiz essa viagem em busca dessa cultura que havia na minha casa antes do falecimento dos meus avós. De uma identidade que inevitavelmente faz parte de mim, como por exemplo minha fisionomia, com meus traços árabes fortes, barba, sobrancelha grossa, sempre estive nesse lugar de descendente de libanês por isso”, contou Haya à ANBA. Seu pai tem ascendência portuguesa e italiana, mas ele afirma que o pai também tem traços árabes. “Buscando a árvore genealógica do meu pai, chegaria num território mouro, sem dúvida”, disse.

O fotógrafo contou que conhecer o Líbano sempre foi muito mais atrativo para ele do que ir para a Europa ou Estados Unidos. “Era apenas uma questão de tempo porque seria como voltar para casa, e os setenta anos da vinda dos meus avós foi uma data muito pertinente para a gente fazer essa viagem juntos”, contou. Uma amiga da mãe de Haya, também descendente, acompanhou.

A aldeia onde seus avós viviam antes de migrarem ao Brasil fica 110 km ao Norte de Beirute. “É um lugar que neva, na colina, e próximo da floresta de cedros. Eu visitei a aldeia, boa parte do livro tem fotos da casa que meu avô construiu, onde fiquei hospedado, e tem fotos das minhas primas libanesas e da casa da minha tia avó”, contou.

A família libanesa do fotógrafo é cristã maronita e Haya se declara como agnóstico, mas tem Deus no título de seu livro. Ele contou que teve a ideia do nome durante a viagem. “Já fui procurando um nome, um ímã que conectasse as imagens, e ‘Deus também descansa’ me pareceu interessante porque, ao visitar e ver toda aquela paisagem, eu, um agnóstico que já passou pelo ateísmo, identifiquei o Líbano como uma terra santa mesmo, uma terra sagrada de verdade, não é da boca para fora. E quando você encontra uma paisagem muito bonita, também encontra vícios sociais. Vejo muitas similitudes com o Brasil, tanto da beleza como da construção errônea da sociedade, e o título busca homenagear essa terra santa e também encara de frente esses vícios, mas de maneira respeitosa. É esse encontro do sagrado com o profano, com as falhas humanas que seriam construídas a partir desse momento em que Deus descansa. É a hipótese do autor para os desacertos, desconcertos que essa terra tem, mesmo sendo sagrada. É um país muito parecido com o Brasil, mas tem a transversalidade da religião”, explicou.

Além da aldeia de seus avós, Haya fez questão de conhecer ao máximo o país árabe. “Era interessante ter a visão mais holística do Líbano, e sendo um país pequeno, não foi difícil viajar de Norte a Sul”, disse.

O fotógrafo afirmou que o que mais gostou na viagem não está no campo material. “Eu tinha uma dúvida muito grande enquanto descendente e uma pessoa que escutava histórias do Líbano desde sempre, se a beleza e as qualidades do país não estavam localizadas no saudosismo do descendente, do imigrante. Quando eu vou lá, eu tenho a noção daquilo que eles me falam, faz parte da materialidade, do sentimento daquela terra. Não só dos moradores porque uma marca do libanês é o amor à pátria, o amor por essa terra, como também é de fácil identificação para o visitante. A gente consegue encontrar esse amor nas coisas e entende o porquê desse amor, então isso pra mim foi muito importante, foi fundamental”, avaliou.

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O fotógrafo Bruno Bou Haya é neto de libaneses

Mesmo como descendente, Haya encontrou, antes de visitar o Líbano, uma ignorância sobre esse território. “A gente identifica o Líbano como Oriente Médio, como um ambiente quase de deserto, mas ele está no Mediterrâneo, tem um quê de Grécia, de Itália. Então a coisa mais importante foi identificar essas belezas, e que a narrativa que sempre ouvi é real e não saudosista, e identificar essas características mediterrâneas”, resumiu.

Haya trabalhou por um ano no projeto gráfico após a viagem, e o livro estava pronto semanas antes da tragédia no Porto de Beirute, em agosto do ano passado. “Nesse momento eu me senti muito impotente porque quem conhece aquele território, a importância do porto, a história do Líbano, tem uma vontade de ajudar. Fiquei muito triste e abalado, e pensei se esse não seria o momento de falar sobre esse vínculo, esses laços do Brasil com o Líbano, e no livro eu trago uma pesquisa sobre esses laços”, contou.

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Longe e perto

Para o fotógrafo, os laços entre os dois países existem desde antes da vinda dos primeiros imigrantes. “Ambos enxergam na natureza parte de seu país, com a árvore pau-brasil dando nome ao Brasil, e o cedro como símbolo do Líbano em sua bandeira. Há vínculos desde a construção das nações, eles se esbarram, por mais que estejam distantes, estão muito perto”, afirmou.

O livro tem 50 fotos em 96 páginas e traz textos em português, inglês e árabe. Além das fotos de Haya, há também fotos de acervo pessoal de seus avós. Anexos ao final da edição estão uma cópia do jornal de imigrantes libaneses no Brasil chamado “O Cedro”, com edição em árabe de 1964, com o anúncio do falecimento de seu tio avô e um cartão postal com uma carta do autor sobre o Líbano. “O postal é uma cartinha que eu escrevo com uma breve história do Líbano, que passa pelas ocupações e impérios que ali estiveram, dando uma conclusão ao livro, e utilizo desse método postal para fazer a conexão com a diáspora, que é uma forma de expressão à distância”, contou.

A obra trata de conexões, segundo Haya. “O Brasil e o Líbano, o privado e o público, a questão da minha família individualmente e a sociedade. Eu parto da minha família para contar sobre a migração libanesa, sobre essa sociedade que passou por muitas coisas, que passou pelas mesmas coisas que a minha família”, concluiu.

Serviço

Deus também descansa
Bruno Bou Haya
Editora Vento Leste
ISBN: 978-85-990732-4-3
96 páginas
R$ 90 com frete incluso para todo o Brasil

Contato

@brunobou
(21) 99956-6544
brunobouhayar@gmail.com