A Romania Arabica da Península Ibérica e Iberoamérica
Lançamento do livro "Influências Orientais na Língua Portuguesa" - 11 de outubro de 2005 Em evento em São Paulo, parceria com o Instituto Cervantes, o professor Federico Corriente mostrou como a influência árabe-islâmica na Espanha demonstrou o poder da confluência entre culturas.O Instituto da Cultura Árabe realizou, no dia 11 de outubro de 2005, a conferência “La Romania Arabica de la Península Ibérica e Iberoamérica: Confluencia de Civilizaciones en el Pasado, Presente y Futuro", em parceria com o Instituto Cervantes e a Editora da Universidade de São Paulo. Na ocasião, foi lançada a reedição do livro “As Influências Orientais na Língua Portuguesa”, de Miguel Nimer e com coordenação editorial de Carlos Augusto Calil. Aqui você pode conferir um pouco da palestra ministrada pelo professor Federico Corriente. Na apresentação da conferência, o diretor do Instituto Cervantes, Juan Manuel Casado Ramos, tomou a palavra para apresentar Federico Corriente como um “dos arabistas de maior transcendência e importância na Espanha nos estudos científicos dessa matéria”. Antes mesmo de Corriente tomar a palavra, os presentes ficaram sabendo que teriam “a enorme satisfação de conhecer coisas verdadeiramente que considerávamos impossíveis de que fossem certas, ou ao menos totalmente desconhecidas”. Ele estava certo. Mas as coisas desconhecidas apresentadas por Corriente, na verdade, não impressionam tanto por estarem distantes, mas por serem características que carregamos e que foram responsáveis por parte da construção da cultura que hoje conhecemos como brasileira e também de países da América Latina. O arabista, ao tomar a palavra, de início lembrou que hispano-americanos e luso-americanos não dividem um mesmo idioma para deixar claro que as coisas que “compartilhamos, muitas delas vindas de influências árabe-islâmicas, vão muito além das palavras”. Corriente explicou o conceito da România Arábica, criado na década de 30 por Arnald Steiger, e como esse conceito não se limita a alguns 2000 vocábulos árabes que estão no castelhano, no catalão e no português. “Compartilhamos muito mais que isso. Arabismos existem também no inglês, no francês, no alemão. Os arabismos são signos do impacto da cultura árabe-islâmica. Mas no nosso caso, há algo mais que isso. Compartilhamos, além disso, costumes”. Esses costumes teriam sido transmitidos pela presença dos árabes na península, principalmente no que hoje é a Espanha, e também pela literatura. A conquista dos árabes e a posterior convivência não foi pacífica, como faz questão de lembrar Corriente. “ As conquistas, eu as abomino. Me parecem atos criminais e lamentáveis (...) Mas o fato é que com dois séculos dessa situação, nos séculos IX e X, a cultura islâmica está implantada na península Ibérica. E aqui nos chocamos com um problema de compreensão do fato e de suas conseqüências que em geral os historiadores não têm superado”. O problema a que se referiu o arabista é que não existe um termo que possa englobar a cultura islâmica sem lhe dar uma conotação religiosa, o que não ocorre com a cultura cristã, que podemos chamar de ocidental. Para Corriente, é importante diferenciar o componente religioso do componente étnico-social. “Insisto muito contra o que muitos historiadores crêem e proclamam. A cultura islâmica, se tirarmos algumas horas do dia e determinadas ações, é fundamentalmente uma cultura laica, onde o grau de tolerância, por exemplo, ao consumo do álcool, a todo tipo de pecado mortal, a uma poesia sem nenhuma censura que floresce por pelo menos quatro séculos antes das invasões africanas, é uma cultura que funciona com total liberdade, algo que na Europa era impensável até o século XVII”. Desse modo, Corriente coloca o problema que o mundo islâmico, e árabe incluso, encontra já que é visto no Ocidente como um mundo teocrático, governado pela religião, pela exigência de guardar uma norma. “Na verdade, esta sociedade demorou muito em dar marcha atrás, retroceder, coisa que sucede claramente a partir do século XIV. Ela foi durante toda a Alta Idade Média uma superação nos terrenos econômicos, técnicos, artísticos, etc, até o ponto que o Renascimento europeu teria sido impossível sem essa transferência de cultura a que chamamos islâmica, mas que em muitos casos é de origem persa, bizantina, egípcia. O islã o único que faz é criar o marco histórico-político para que todos os conhecimentos e progressos se ponham em marcha e cheguem ao ocidente e aqui dêem lugar à civilização ocidental renascentista e a moderna”. VISÕES EXAGERADAS – Para o arabista, os estudos da influência árabe na Espanha tem problemas que podem ser resumidas em duas vertentes de estudos: a que exagera a influência árabe e a que minimiza ao máximo a presença de características da cultura da região do Oriente Médio. “Quando vemos as obras dos historiadores modernos espanhóis encontramos duas atitudes. A atitude semitófila, de um Américo Castro, que vê por todas as partes cultura semítica, islâmica ou judia. Há também uma exageração conhecida de autores árabes que por patriotismo não vêem em Alandalus senão uma sociedade perfeita, onde não há ódios interraciais ou inter-comunitários, onde tudo funciona como Deus manda. Por desgraça, não foi assim. Mas logo nos damos com figuras tipo Cláudio Sanches que minimiza ao máximo a importância da conquista e que a reconquista deixa esse assunto resolvido definitivamente, que tudo foi uma doença passageira que sofreu a península Ibérica e que ‘uma vez curados, voltamos a ser normais, descentes, europeus’. Cristãos, talvez, não é tão importante nessa visão, mas está claro que há um posicionamento anti-islâmico descarado”.