Abertura dá início a ciclo sobre cultura árabe na América do Sul
Agora em São Paulo, mostra é oportunidade para se conhecer a face árabe da cultura sul-americana, presente em grande parte do nosso dia-a-dia. Na abertura, homenagens aos mortos no LíbanoA abertura da Mostra AMRIK/Presença árabe na América do Sul - que ocorreu na última quarta-feira dia 9 e teve presença de cerca de 200 pessoas - apesar de estar em São Paulo, não deixou de se ligar a suas raízes, encravadas em grande parte nos territórios de Líbano, Síria e a ocupada Palestina. A exposição de fotos e suas atividades paralelas se mostraram, por um lado, uma oportunidade para que descendentes de árabes possam tomar contato com a história de seus próprios familiares que saíram da região do Levante, a maioria deles libaneses, e buscaram novas oportunidades na América. Por outro, dá chance a brasileiros de conhecer e reconhecer o quão profundas são as raízes árabes no Brasil, influência que veio muito antes dos primeiros imigrantes e viajou nas naus portuguesas que viriam colonizar e dominar parte das novas terras americanas. A festa da abertura da Amrik, no entanto, apesar de um caráter de festa, não pôde ignorar a destruição da região. As danças, a música, as imagens do legado árabe, principalmente libanês, não podiam passar ao largo do que sentiam os atuais habitantes das terras deixadas por imigrantes libaneses, alguns deles há cerca de um século. Cláudio Kairouz, no qânun, e Samir Souri, no derbacke, tocaram músicas tradicionais de Líbano e Palestina. O repertório usual dos músicos - “Eu amo o Líbano” (Bihebak ya Libnán), Nassan Aleina el Haua (algo como “o vento soprou sobre nós”, “o vento nos leva de volta”) e “Volte a reconstruir o Líbano” (Rejea itaamer Libnán) – parecia feito especialmente para os tempos atuais. No entanto, os temas e a apresentação musical apenas nos lembraram que o Líbano já passou por outros tempos em que parecia que seria destruído. Como lembrou Cláudio antes da última canção, “tentam destruir seguidamente esta cultura, mas ela existe há milênios e ninguém conseguiu ou conseguirá acabar com a sabedoria e a riqueza da cultura árabe”. Soraya Smaili, presidente do Instituto da Cultura Árabe, então, fez a abertura oficial do evento e expôs a importância e os objetivos da mostra. “Com esta mostra,vamos divulgar a enorme influência que a cultura árabe tem e teve junto à sociedade brasileira, especialmente na cidade e no Estado de São Paulo, onde se concentrou o maior contingente da imigração árabe no nosso país”. Ela lembrou que, aqui, esses imigrantes e seus descendentes transferiram seus costumes, hábitos e muito de sua cultura para o Brasil. Ainda na abertura, falou o secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, José Roberto Sadek, “principalmente como representante da secretaria de cultura, mas também como um descendente de árabes”. Ele havia visto a mostra em Brasília e lá descobriu, em uma das fotos, um parente distante de sua mãe que vivia no Uruguai. “Estive em Brasília durante a Cúpula Países Árabes-Sul-americanos, pude ver a exposição lá e em uma das fotos vi um parente distante, um primo de minha mãe. Comprei o catálogo e mostrei para ela. Ela me disse, ‘mas a exposição poderia vir para cá’. Agora, na parceria do Instituto da Cultura Árabe com a secretaria de Cultura e a Imprensa Oficial, ela está em São Paulo”. O espaço que se abriu nesta última quarta-feira na Galeria Olido, e que permanece dedicado à cultura árabe até 17 de setembro, junta imagens, rostos, objetos, arquitetura, todos legados de parte do Oriente Médio que de várias formas chegaram ao Brasil. A Mostra Amrik, mais do que uma exposição cultural, é uma lição sobre raízes profundas da cultura brasileira que mesmo os brasileiros pouco conhecem. O geógrafo Aziz Ab´Saber, professor emérito da USP e presidente de honra do Instituto da Cultura Árabe, fez, em 1997, o caminho inverso de seu pai e visitou Líbano e Síria. Queria conhecer a terra de Nacib Ab´Saber. “Uma das coisas mais maravilhosas é viajar para conhecer outras culturas, as músicas, as manifestações. Minha viagem ao Líbano me abriu os olhos. Por isso, estou em desespero com os acontecimentos desse novo sistema que se levanta, desse novo fascismo contra o Líbano. E aí me lembro de meu pai, que atravessou o mediterrâneo para buscar meu avô e veio parar no Brasil. Lembro da história de meu pai. Lembro dessa história com muita sentimentalidade. Me lembro do Líbano, da Síria e da Palestina e escrevo no meu caderninho o nome dos maiores cretinos desse começo de milênio”. O sentimento dos imigrantes, de descendentes e de brasileiros que aprenderam, e aprendem, com a história dos árabes, de sua vinda ao Brasil e com suas contribuições a nossa cultura se assemelha ao de Aziz. Os retratos dos imigrantes - resignados, de cabeça baixa, sérios, tristes – poderiam ser fotos do presente. “Quase sem percebermos, esta mostra trouxe-nos um outro objetivo, o da afirmação de uma identidade cultural, em uma sociedade que a acolheu e a absorveu perfeitamente, a sociedade brasileira. Esta afirmação torna-se mais do que necessária no momento em que tantas agressões estão sendo vistas, inclusive a monumentos históricos e culturais do Líbano, tal como ocorreu nos bombardeios a Baalbek. Infelizmente, não foram somente monumentos que foram destruídos, mas também vidas humanas e estruturas básicas e fundamentais de um país soberano. Por esta razão, não poderíamos deixar de mostrar toda nossa solidariedade e a Amrik também se engaja na campanha de ajuda humanitária ao Líbano e Palestina. Não poderíamos deixar de prestar uma homenagem às centenas de civis, entre eles crianças que morreram nos últimos ataques ao Líbano”, afirmou Soraya. Aí, fez-se um minuto de silêncio. Mas as culturas árabe, libanesa e palestina insistem em não se calar. E a Mostra Amrik é uma boa chance de ouvi-las.