Bonita e barata, Síria tem muitas histórias para contar

Qui, 29/10/2009 - 10:50
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Em pleno coração do Oriente Médio, a Síria mais se parece com uma joia escondida. Ali, a comida é maravilhosa, os pontos turísticos são incríveis e o povo é extremamente hospitaleiro. O país é bastante seguro e, ainda por cima, os preços são incrivelmente baixos.Mas poucos sabem disso. É de se perguntar por que o turismo de massa não chegou ao país, detentor de tantos predicados.Em pleno coração do Oriente Médio, a Síria mais se parece com uma joia escondida. Ali, a comida é maravilhosa, os pontos turísticos são incríveis e o povo é extremamente hospitaleiro. O país é bastante seguro e, ainda por cima, os preços são incrivelmente baixos. Mas poucos sabem disso. É de se perguntar por que o turismo de massa não chegou ao país, detentor de tantos predicados. Enquanto as hordas de turistas não chegam, Damasco, Alepo, Hama e Palmira, entre outras cidades, são destinos recomendáveis tanto para descendentes interessados em conhecer a terra de seus antepassados como para aqueles que querem somente visitar o “berço da civilização”. É verdade que o título é disputado com o Iraque, mas a Síria exibe com orgulho uma descoberta recente, que justifica sua aspiração. Arqueólogos afirmam que o minúsculo tablete de barro exibido no Museu Nacional de Damasco tem a inscrição do alfabeto mais antigo do mundo. Ou seja, ali teria surgido a escrita, o primeiro passo do homem para abandonar a pré-história, há mais de cinco mil anos. DAMASCO Para adentrar nesse paraíso turístico, o principal portão para o turista brasileiro é a capital Damasco. Não há vôos diretos a partir do Brasil, mas invariavelmente, quem vai para lá ou desembarca em Beirute, no Líbano, e viaja por terra para Damasco (entre duas e quatro horas, dependendo da burocracia na fronteira entre os dois países) ou chega direto no aeroporto internacional da capital síria. A cidade, chamada de Ash-Shams pelos locais, também disputa um título milenar: o da cidade com ocupação populacional contínua mais antiga do mundo. Há pelo menos seis mil anos tem gente morando ali, sem intervalos. Não é à toa que o museu nacional exponha tantas peças de eras imemoriais. Mas os pontos turísticos mais famosos de Damasco são bem mais “recentes”, como a Grande Mesquita Omíada. Construída no ano de 705, dispõe de belíssimos mosaicos e três minaretes. Um deles, chamado de minarete de Jesus marca o local em que, segundo a tradição islâmica, o filho de Maria estará no dia do julgamento final. Mas não é apenas a construção que atrai peregrinos. Dentro da mesquita se encontram duas relíquias famosas. Uma delas é cabeça de João Batista, considerado um profeta tanto para cristãos como muçulmanos. A outra seria o corpo de Hussein, neto do Profeta Muhammad, reverenciado pelos xiitas. Para entrar, os turistas devem pagar um ingresso equivalente a cerca de US$ 2 e vestir uma longa vestimenta fornecida pela bilheteria, que cobre o corpo e os cabelos das mulheres, e as pernas e braços dos homens. Tem muitos locais que também usam a vestimenta, mesmo estando totalmente cobertos para os padrões brasileiros. Ao lado da bilheteria da mesquita está o mausoléu de Saladino (1138-1193), líder curdo que botou os cruzados europeus para correr no século XII. Ele também ganhou uma estátua bem em frente à cidadela, que atualmente se encontra fechada para visitação. Outra bela atração da cidade é o Palácio Azem, que data de 1749. Bem preservado, possui exposições com peças de época e um belo jardim. Foi moradia de governantes otomanos e hoje é bastante freqüentado pela população local. Os habitantes de Damasco também disputam lugar com os turistas no café Al-Nawfara, atrás da Grande Mesquita. Ali se apresenta talvez o último hakawati, contador de histórias profissional, do país. Abu Shady se instala em uma espécie de trono, abre seu caderno e começa a contar histórias maravilhosas. O espetáculo acontece diariamente, após o término das orações do pôr-do-sol. Quem nada entende, beberica um típico copo de chá ou pede um narguile para acompanhar as mil e uma histórias do velho hakawati. O Souq al-Hamidiyya, mercado local mais famoso, é do século XIX mas também já tem muitas histórias no currículo. Apesar de dispor de várias lojas interessantes, seu teto de ferro é o que chama mais a atenção dos turistas. Ali, os raios de sol denunciam vários furos. Eles são resultado de tiros disparados pelos franceses quando tentavam extinguir uma rebelião nacionalista em 1925. Azar deles, pois a repressão foi paliativa. Em 1946, os sírios conseguiram sua independência. ALEPO Já em Alepo, localizada a cerca de 4 horas de ônibus ao norte de Damasco, o mercado é ainda mais antigo e interessante. O tamanho de suas ruelas denuncia a idade delas. Na parte onde elas são mais estreitas e as lojas, menores, a construção data do século XIII. Quanto maiores, mais recentes. O principal produto vendido são os sabonetes feitos de azeite, que assim como vinho, quanto mais velhos, melhor (pois duram mais). Os lenços de seda coloridos feitos por mulheres berberes são o artesanato mais típico da região. Depois de percorrer todo o mercado, chega-se à cidadela. A visão dela é impressionante. Tem um enorme fosso e uma entrada monumental. Ao subir pela portaria principal, o turista tem a breve sensação de estar na Idade Média. Não deixe de visitar o salão principal, que fica em cima da entrada, e o antigo hammam (casa de banho pública). Mas Alepo, assim como Damasco, também tem hammams abertos para o público. É uma atração bastante interessante para turistas que nunca entraram nesta instituição árabe. Ali, o corpo do cliente é esfregado com bucha e também são oferecidas massagens. Às mulheres, recomenda-se levar um biquíni para o Hammam al-Sallhia. Os homens ganham toalhas para se cobrir no Hamam al-Nahaseen. O preço é, em média, US$ 12, mais gorjeta. Os banhos são geralmente ligados a mesquitas. Quem quiser ver igrejas deve ir ao bairro cristão de Al-Jdeida, onde há templos cristãos de diferentes vertentes: Católico Sírio, Grego Ortodoxo, Maronita e Armênio. Para os gourmands, o que mais se destaca na vizinhança é o agradável Kaser al-Wali. O restaurante tem música tradicional ao vivo às 22h30, de quartas a segundas, e boa comida. Também serve bebidas alcoólicas, como a cerveja local Barada. Apesar de ser a segunda maior cidade do país, Alepo é bastante acolhedora. No final da tarde, ao sentar-se na praça principal para observar o movimento, o turista pode ser abordado pelos hospitaleiros moradores da cidade. Eles podem oferecer um cafezinho ou um doce, e puxam uma simpática conversa, mesmo que seja em árabe. HAMA Menos conhecida entre nós, Hama é um dos principais destinos turísticos dos próprios sírios. É que ali se encontram as famosas norias de madeira, enormes rodas d’água. A mais antiga delas data do século XV. Bem no centro da cidade se encontram duas norias, que fazem um barulho bastante característico. Infelizmente, a parte antiga de Hama, que possuía um souq, palácios e mesquitas, foi destruída em 1982, quando o líder sírio, Hafez Al-Assad (1930-2000) bombardeou a cidade para sufocar uma revolta da Sociedade dos Irmãos Muçulmanos contra o seu governo. Por isso, pouco restou dela. Hoje, Hama se tornou mais um ponto de apoio para os visitantes que desejam conhecer duas grandes atrações do norte do país, que ficam a cerca de uma hora do centro. A primeira delas é o Crac des Chevaliers, um enorme castelo medieval incrustado em uma montanha. Construído pelos cruzados em cima de uma outra fortaleza desativada, jamais foi penetrada por exército algum. A localização privilegiada e o ótimo estado de preservação da construção atraem milhares de turistas anualmente. A outra atração é Masyaf, onde fica o castelo que pertenceu à famosa seita dos Assassinos. Liderados por Hasan-i Sabbah (1190-1124), os seguidores foram responsáveis por um culto bastante extremo e vários assassinatos. Diz a lenda que seus integrantes, conhecidos como “hashshashin”, costumavam fumar haxixe (daí seu nome) antes de perpetrar assassinatos contra vizires e líderes cruzados. É bastante provável que a palavra “assassino” tenha vindo do mal-afamado grupo. A Síria tem também outras muitas atrações interessantes. Palmira, cidade que exibe ruínas da época dos romanos, é uma delas. Localizada a leste de Damasco, tem uma importante população berbere. É bastante popular entre os turistas “a noite no deserto”, que pode incluir somente um jantar ou também uma noite inteira numa típica tenda berbere. Em Maalula, se encontram os últimos falantes da língua de Jesus, o aramaico. Lattakia, à beira-mar, tem ambiente mais relaxado, e Homs, ao lado de Hama, é a cidade de origem de muitos dos imigrantes sírios que aportaram no Brasil no século passado. Em todos esses lugares dá para perceber de onde vem boa parte da simpatia e do bom humor do brasileiro.