Dîwân - Evento realiza noite de reflexão e divertimento
Espetáculo promovido pelo Instituto da Cultura Árabe, em parceria com a Aliança Francesa, reúne textos e linguagens de diversas épocas para trazer a especificidade das diferentes manifestações da poesia e da música árabe, e de sua inserção na cultura brasileirapor Aurea Santos e Arturo Hartmann A apresentação que Michel Sleiman, diretor geral do espetáculo Dîwân, fez na abertura da noite de poesia e música, de luzes e sons, foi a deixa para entender a interação que se buscaria nas interpretações artísticas realizadas no palco. “Este é um momento de diversão e reflexão, pensamento e gozo”. Para Michel, também professor de Literatura e Língua árabe da USP, uma forma de entender o que é ser brasileiro dentro das influências que a cultura árabe legou ao país. Dîwân, espetáculo realizado no último dia 7 de junho, no teatro da Aliança Francesa com a promoção do Instituto da Cultura Árabe, reuniu textos de diversos autores em uma seqüência de linguagens combinadas, como a sonora e a audiovisual, junto com recitais que apresentaram ao público a beleza das poesias brasileira, andalusa e pré-islâmica . APRESENTAÇÃO – “A Flor da Alquimia”, primeiro dos dois módulos do espetáculo, iniciou com um trecho de Lavoura Arcaica, romance do paulista Raduan Nassar. O público podia acompanhar em português, por um grande telão, o capítulo que estava sendo lido em árabe por Safa Jubran, professora do departamento de árabe da USP. Na seqüência, as batidas de tambores xamânicos e um jogo de holofotes deram um clima especial para as leituras dramáticas realizadas, em português, por Carmem Cozzi e Michel Sleiman do poema de Adonis (Ali Ahmad Said Esber). Mônica Jurada, uma das componentes do grupo de tambores, diz que o ritmo xamânico se inseriu no evento para “levar energia”, para “fazer o sangue ferver”. E conseguiu. Durante todo o espetáculo, as poesias brasileira e árabe dividiram o mesmo palco e agradaram ao público. Isso porque os dois povos e as duas poesias guardam uma forte relação, que Sleiman explica. “Talvez a principal característica dessa coisa que liga com o Brasil é uma espécie de conjugar felicidade, alegria de vida, com uma nostalgia. Uma coisa que vem como se a Terra, de noite, pudesse cantar mesmo não havendo Sol, e quando vem o Sol, então, explosão total. Você pode pensar que esta concepção, unida com as forças fabulosas da natureza, como era vista pelos índios, ou então com a vitalidade guerreira e resistente do negro africano, isso vai gerar o Brasil. Vai gerar o samba, por exemplo, vai gerar os ritmos marcados com tambores. Eu digo isso porque normalmente as pessoas não atentam que isso que veio com a África, que veio com Portugal, é um elemento fortemente arabizado”. A UM MUNDO PRÉ-ISLÂMICO – Já em “Música Minha, Poesia Minha”, segundo módulo do evento, o escritor Alberto Mussa levou o auditório lotado a uma volta pelo século V da era cristã, ainda anterior à Hégira. Mussa expôs as particularidades da poesia pré-islâmica, um misto da poesia épica e lírica, muito relacionada a fatos vividos pelos próprios poetas. A especificidade dessa literatura, anterior ao islamismo, está no fato de que ela, diferente das demais poesias líricas que conhecemos, mesmo no mundo antigo, como a chinesa, a egípcia, a grega e a romana, ela é fruto de uma sociedade de pastores de camelos nômade. “Então é uma poesia que está fora de um padrão da civilização que a gente conhece, que é a organizada em torno da cidade”, explica Mussa. Exatamente por se inserir em um padrão diferente daquele com o qual temos um contato maior, o impacto da poesia pré-islâmica é diferente. “Toda a poesia, exceto uma parte da poesia hebraica antiga, é toda ela urbana, produto de uma civilização urbana, e a poesia árabe não. Está fundamentada num tipo de código e comportamento, de visão do mundo, de conceito éticos, morais, estéticos, que é muito diferente. Então ela causa um impacto, causa um estranhamento maior do que as demais poesias líricas de tradições universais”. A religião da época era baseada na existência de várias divindades. Mas com o surgimento do islamismo, o conhecimento dos rituais e crenças se perdeu em grande parte. “A gente conhece alguns rituais, algumas práticas, alguns nomes de divindades, mas não temos atributos precisos de como funcionava o culto, ou de como era a atribuição do culto. Então há várias teorias, mas a gente não conhece, em função evidentemente do surgimento do Islão, que suprimiu a memória dessa religião antiga, e a gente conhece apenas alguns fragmentos”.
Continua em: Dîwân - Na segunda parte do evento, a leitura de poemas andaluzes e contemporâneos