Grupo TACHO: Said Bittar conta como tudo começou
Sueli Melo e Gabriel Bonduki
No dia 10 de setembro de 1953 estreava a primeira peça do prestigiado grupo de Teatro Amador do Club Homs, o TACHO. “Solteira que não fico” foi dirigida por Said Bittar, hoje com 86 anos. Ao lado dos amigos Fauzi Bunducki, Layr Cateb, Alfredo Abdo (o ‘Gazeta’) e outros tantos amigos e amigas, ele comandou esse primeiro núcleo e ajudou a escrever a história de sucesso do grupo.
O Club Homs era, naquela época, um dos ambientes sociais mais frequentados de São Paulo. “O top dos clubes”, segundo Bittar. Ibrahim Cury, então diretor social, propôs a ele que arranjasse alguma atividade para o Teatro, inaugurado anos antes. “Nós éramos um grupo de jovens, que frequentávamos a ‘comissão social’ do Clube. Ibrahim chegou a mim e disse: Said, faz alguma coisa, um teatro, um show... junta essa juventude e faz alguma coisa!”, lembra Bittar.
E assim fez! Convocou os amigos, e decidiram que apresentariam uma peça teatral. “Fui encarregado de escolher uma peça, e então fui à cidade descobrir uma que não tivesse problemas de direitos autorais. Naquela época ainda não havia computador, então passamos no mimeógrafo as falas de cada personagem e começamos a ensaiar no clube.”
Na ocasião, relata, era muito difícil levar as moças para o palco. O diretor social tinha que conversar pessoalmente com os pais, pedir permissão, e ainda autorizá-los a assistir aos ensaios. Foi o início de uma trajetória que marcaria a vida de atores e atrizes, diretores de teatro, colaboradores e de milhares de espectadores, que se renovaram no curso de 49 espetáculos, ao longo de 60 anos.
Para Said, o fato de serem uma coletividade garantiu o sucesso do grupo, desde o início, quando eram sete ou oito pessoas, que logo depois se tornariam trinta. “Logo, muitos associados queriam entrar, e a gente aceitava, especialmente para os 'Shows da Casa'. O teatro no Homs vingou porque não tinha dono. Todo mundo mandava, e desmandava, e cada um acatava o que o outro falava. Se não, talvez não tivéssemos conseguido. Éramos uma turma muito unida! Todo final de ensaio, a diretoria do clube convidava todo o grupo para comer pizza no Paulino, na rua Pamplona. Os diretores também estavam sempre presentes nos ensaios e apresentações. Entre outros, além do Ibrahim e do Michel Chohfi, presidente do clube, os mais frequentes eram o Abrão Salem Daie com a Júlia, o Georges Gabriel Bonduki e o Alberto Chaccur com a Samira”, conta.
Fundado em 2 de maio de 1920, por 22 jovens imigrantes sírios, naturais da cidade de Homs, o Club Homs sempre teve uma tradição de atividades culturais, que antes da segunda guerra mundial eram muitas vezes em língua árabe, com destaque para a criação literária-teatral, musical e poética. No final da década de 1940, mudou-se para a Avenida Paulista.
Segundo Bittar, o significado da palavra TACHO foi muito além das letras iniciais do grupo. Foi dele a ideia desse nome. “Estava assim: T.A.C.H. Achei esquisito, botei um “ó”, ficou TACHO! Sabe o tacho, aquele de fazer goiabada? Pois é, fazíamos teatro dentro daquele tacho. A ligação era essa, com todo mundo dentro do tacho”, explica ele, que, além de dirigir, também atuou em várias peças e esquetes, durante três anos de trabalho e muita dedicação ao teatro amador.
Os shows com esquetes e números musicais, que sobrevivem até hoje no clube, fizeram muito sucesso desde o início. Quando, naquela época, as dublagens viraram moda, Said lembra que o grande destaque era o Fauzi Bunducki. Mas o amigo talentoso, que encantava a todos quando entrava em cena, dublando “Cielito Lindo” (canção popular mexicana, de 1882), fazendo paródias, imitações, ou contando piadas, queria mesmo era ser um astro nas alturas, sonhava ser piloto de avião. E conseguiu: anos depois, lembra Said, Fauzi tornou-se comandante da TransBrasil. “Fauzi estava em todas. E era um cômico inato! A gente ficava um minuto com ele e já estava rindo. Se não tivesse sido piloto de avião, teria sido artista de Televisão”, acredita. Segundo ele, Fauzi chegou a ser convidado e se apresentar no famoso programa “Almoço com as Estrelas”, da TV Tupi, apresentado pelo casal Lolita e Airton Rodrigues.
Nas fotografias em preto e branco de seis décadas atrás, as imagens de jovens e sorridentes rostos dos amigos e amigas que fizeram parte da vida de Bittar e das primeiras peças do TACHO. Como Jamil Sawaia, que virou o apresentador e animador dos espetáculos, escolhido por Bittar porque tinha boa voz;“um grande amigo”, diz, saudoso; como Clery Maluf Gáui, a primeira mulher a integrar o grupo, que depois se casou com Osvaldo, da Casa das Noivas, colaborador apaixonado que emprestou um vestido para uma peça em que ela interpretava uma noiva, e ganhou seu coração; ou, ainda, o trio de atores Fauzi Bunducki, José Nahas e Nahim Chami (tio do Yunes, atual diretor do grupo), caracterizados de “comadres”, fofocando em árabe, num esquete humorístico. Nos programas das primeiras peças, aparecem também os nomes dos seguintes atores: Roberto Chaim, Waldemar Sallum, Wilson Thomé, Genny Massuh, Imira Halabi, Antonio Betenjane, Julieta Mina, Fares Trabulsi, Jamil K. Kronfly, Wilson Sallum, Afif Kronfly, Romeu Abud, William Dib, Osvaldo Gaue, Samir T. Bunducki e Salem Abrão Daie.
Daquela geração, muitos vivem apenas na memória de Said e nessas imagens, que resistiram ao tempo e agora estão preservadas. Sempre ativo, e muito participante da vida social paulistana até hoje, e apesar de lamentar a ausência dos amigos, ele relembra a alegria desse tempo, e dessa experiência marcante, tão diversa de sua posterior atividade na indústria, onde trabalhou por mais de 50 anos. “Foram tantas coisas boas! E agora, resgataram a memória do TACHO. Esse resgate é muito importante!”, pontua Bittar, referindo-se à comemoração, na qual ele foi homenageado, dos 60 anos do TACHO, com apresentação de vídeos, registros fotográficos e trechos de vários espetáculos, promovida por um grupo de dedicados ex-integrantes do grupo, sob a liderança de Milton Anauate, no Club Homs, em dezembro de 2013.