Ironicamente, modelo iraniano ganha força na região
Mesmo sob ocupação e com a pressão dos Estados Unidos para que se adote seu modelo de democracia, eleições mostram a rejeição ao modelo norte-americano e reforçam na região o modelo iraniano.Com a vitória do Hamas nas eleições legislativas da Palestina, a região dos países árabes se vê diante da consolidação de um modelo político que reforça a identidade religiosa como principal elo social. Paulo Hilu, antropólogo e coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que nos últimos trinta anos ocorreu um aumento da importância da identidade religiosa como forma de inserção social, “algo que existe também em outras sociedades, como nos Estados Unidos, na Índia, ou mesmo no Brasil”. O caminhar da religiosidade para o centro das sociedades islâmicas - como resposta aos problemas que se impõe com a pressão dos Estados Unidos e com a falta de alternativas políticas internas sólidas – começa com a revolução islâmica de 1979. Christian Karam, historiador, diz que durante grande parte do século XX, os países árabes tiveram como alternativa a laicização política de suas sociedades, mas a importância que ganhou o islamismo e, consequentemente, sua forma fundamentalista a partir dos anos 70, é a resposta encontrada pelos países da região às políticas mais reacionárias e conservadoras de países europeus e dos Estados Unidos. O liberalismo, como alternativa de direita, não passou de uma nova forma de colonização. O socialismo, com o pan-arabismo e o nasserismo, também fracassou. “Ao longo dos anos 40 e 50, com as independências e o final dos mandatos francês e inglês na região -, eles tinham uma alternativa que não era somente a de decidir por um capitalismo liberal, de direita, ou seguir para um aprofundamento da religião como única forma de projeto político econômico. Eles tinham uma alternativa, que era a do secularismo, a laicização política dessas sociedades. Ela foi minada pelos fatores internos, os governos locais, e externos, as potências européias” (leia a entrevista completa com o historiador Christian Karam na seção Entrevistas). IRONICAMENTE, SISTEMA IRANIANO GANHA FORÇA Paulo Hilu diz que, ironicamente, o que se consolida tanto no caso das eleições na Palestina e mesmo no Iraque, ainda que sob a tutela dos Estados Unidos, é a posição do Irã, um péssimo modelo segundo os Estados Unidos. A vitória do Hamas entra no contexto da legitimidade que o Hizbolah tem dentro da sociedade libanesa e da guinada do Irã para um governo que – apesar da visão que o enxerga como um caminho para o totalitarismo – tem grande parte de sua popularidade galgada em uma posição mais nacionalista. “O resultado no caso da Palestina é que, quando você tem as eleições mais livres do mundo árabe, ironicamente, que aconteceram sob ocupação estrangeira, as duas eleições concentraram partidos religiosos como sendo os grandes ganhadores”. O descontentamento dos Estados Unidos é cristalino, já que o país recebeu a notícia da vitória do movimento islâmico com retaliações. “Existe um descompasso entre o que eles dizem e o que eles fazem. Eles apóiam várias ditaduras árabes e apóiam o governo israelense na sua ocupação à Palestina, que não tem nada de democrático.” Hilu aponta que também o Iraque caminha para uma saída islâmica, ainda que o processo político no país esteja tutelado pelos norte-americanos. Segundo ele, com os dez anos de sanção econômica impostos pelos Estados Unidos, as identidades religiosas e as autoridades religiosas voltaram a ser o quadro de produção de ordem de inserção social, processo incentivado pelo próprio Saddam depois da primeira guerra do Golfo. “Quando o Estado baathista foi decapitado, essas estruturas de ordem local se transformaram na principal forma de reconstrução ou reorganização do espaço político em termos nacionais. São trajetórias diferentes, mas que levaram a uma consagração da religião no quadro político. No final das contas, o que se tem, no caso do Oriente Médio, o que está se configurando, é que a democratização dessa sociedade tende a se dar dentro de um regime participativo eleitoral, mas com forte referência religiosa, que, diga-se de passagem, é o modelo iraniano. Ironicamente os americanos acabaram fortalecendo a posição do Irã como modelo para a região”.