O triângulo Estados Unidos-Brasil-Líbano da família Tofik Karam
A vida do estadunidense John Tofik Karam, nascido no Estado de Nova York, é formada por um triângulo que tem seus traços cruzando o Atlântico e o Mediterrâneo. Os vértices estão nos Estados Unidos, obviamente, mas se alargam e chegam ao Líbano e ao Brasil. O antropólogo, professor-assistente na Universidade DePaul, de Chicago, tem fortes laços com estes dois países e em seu trabalho acadêmico procurou fazer um retrato da identidade da comunidade sírio-libanesa por aqui. E em meio a suas pesquisas, descobriu histórias de família.Tamar Goshn Sfeir, a avó materna de John Tofik Karam, um estadunidense do Estado de Nova York, nasceu no Brasil. Mais especificamente em Rondônia, quando este ainda era considerado território, e não estado. Ela dizia para o neto que era de uma cidade chamada 33. “Dizia isso porque ficava no 33º quilômetro do trajeto de um trem que saia de Porto Velho”, conta o professor-assistente da Universidade DePaul, que fica em Chicago. Ela era filha de pais libaneses que vieram ao país emigrados no início do século XX. Aos doze, foi mandada de volta ao Líbano, onde aos catorze casou-se com o avô de John. Os dois, então, migraram para os Estados Unidos, ali ficaram e fizeram família. Karam ainda tem fortes raízes em ambos os lados, principalmente em terras brasileiras. Grande parte da família de sua mãe permaneceu por aqui, mudou-se de Porto Velho para o Rio de Janeiro. Esses laços fizeram surgir no acadêmico árabe-estadunidense um grande interesse por estudar a comunidade árabe no Brasil. Ele faz parte do Programa de estudos latino-americanos da DePaul. O Icarabe conversou com Tofik Karam na sua última passagem pelo Brasil. A entrevista girou em torno, principalmente de seu mestrado “Another Arabesque: Syrian-Lebanese Ethnicity in Neoliberal Brazil”, um olhar sobre como se organiza a identidade dos árabes no Brasil na ordem neoliberal. Mas tão interessante quanto sua pesquisa é a história que alimentou seu interesse pelo país de sua avó. Karam fez sua primeira viagem ao Brasil em 1991. Desde então fica num vai-e-vem entre Estados Unidos e cidades brasileiras. “Morei no Nordeste um tempão, em São Luís, em Fortaleza, em Salvador”. E nesse processo, não faltam relatos para reforçar seus laços com o país. “Em uma dessas viagens, fui visitar um tio meu em Belém do Pará, pai da mulher de um primo meu. Ele sabia que meu bisavô, o pai dessa minha avó materna, morreu e foi enterrado no Brasil, em algum lugar do norte, mas não sabia exatamente onde, se era em Porto Velho, Manaus ou Belém. Acabou que de fato ele havia sido enterrado em Belém. Fui até o cemitério onde estava o túmulo. Como de costume, na lápide havia uma foto do meu bisavô. Eu nunca havia percebido, mas quando vi aquela foto, naquela lápide, lembrei de uma foto que eu via no fundo do armário de minha avó, em um armário que está em uma casa no interior do Estado de Nova York, em uma cidade que se chama Utica. Aquela foto sempre fez parte da minha vida na infância, mas nunca havia caído a ficha, que era seu pai, meu bisavô, em um túmulo em Belém do Pará”. A comunidade árabe no Brasil, então, se tornou objeto de sua curiosidade acadêmica. E nos caminhos que o levam pelo país descobriu outra história envolvendo seu bisavô. “Um tio meu que mora no Líbano me contou, em relação a meu bisavô, que a família tirou os restos do corpo dele que estavam enterrados e levaram para o Líbano para enterrar por lá. Agora, um outro tio meu que mora nos Estados Unidos diz que, quando abriram o caixão, o defunto, que havia morrido há cerca de 30 anos, estava em decomposição. Os ossos do corpo não podiam ser removidos, somente o crânio. Eles resolveram, então, tirar o crânio e levar para o Líbano e deixar o resto no caixão em Belém. Essa versão da história eu prefiro, pois o corpo do meu bisavô continua em Belém enquanto sua cabeça está no Líbano”. (risos) Os laços aterritoriais que unem Estados Unidos-Brasil-Líbano são algo concreto para a vida de John Tofik Karam. Sua realidade está em uma cidade a 30km ao norte de Beirute, em uma pequena cidade a 33km de Porto Velho e no interior do Estado de Nova York. Os árabes também fizeram a América.