Os equívocos de opinião sobre a política da região
Países do Oriente Médio vivem hoje marcados por governos islâmicos fundamentalistas ou pelo colonialismo democrático imposto pelos Estados Unidos. Veja aqui a opinião de estudiosos sobre o contexto atual da política na região e os equívocos da cobertura da imprensa "ocidental".No final de janeiro, a população palestina foi às urnas e escolheu uma nova distribuição para seu parlamento. De um total de 132 cadeiras, o partido Hamas conseguiu 76, 57,5% do total. O processo, segundo observadores internacionais (veja a matéria “Observadores brasileiros analisam impacto da vitória do Hamas na Palestina”, na seção Saiu na Imprensa), o mais transparente possível, não foi bem aceito por governos dos Estados Unidos, Israel e Europa. A brincadeira democrática, dessa vez, não valeu. A vitória do Hamas, e a rejeição desta por parte do “Ocidente”, é mais um capítulo de uma situação geopolítica que começa em 1979, quando ocorre a Revolução islâmica no Irã, passa pela guerra do Golfo e, a partir do 11 de setembro, se transforma em uma caçada aberta aos povos árabes e islâmicos. As receitas de ação podem ser duas: imposição de governos democráticos, pré-aprovados como no caso do Iraque (o que não ocorre com os palestinos), ou alianças com governos autoritários, como no caso de Egito e Arábia Saudita. Christian Karam, historiador, explicou, em entrevista ao Icarabe publicada no dia 17 de fevereiro, que essa oposição entre governos “ocidentais” e de países árabes e islâmicos surge a partir de uma crise do capitalismo que ocorre nos Estados Unidos e Europa. Como reação à crise, esses países tomaram um rumo conservador, com as eleições de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos. No Oriente Médio, a reação conservadora chega com a Revolução Islâmica, e o aparecimento, nesse momento, do fundamentalismo no islã político. “Eu diria que o fundamentalismo é uma conseqüência da falta de alternativas que se apresentaram às sociedades islâmicas após a falha de projetos socialistas pan-árabes e também liberais. Acredito que essa falha se deve, em parte, à responsabilidade dessas mesmas sociedades islâmicas e seus governos, mas em grande parte à ingerência e uma herança imperialista que ao longo do século XX se instaurou quando essas regiões conseguiram suas independências e não foram respaldadas por projetos políticos consistentes e hoje vivem nessa situação de penúria em que se encontram. O fundamentalismo é conseqüência, em grande medida, das falhas desses projetos políticos e sociais como alternativas. Tanto a alternativa econômico-liberal, mais à direita, ou a social-democrata, mais ao centro, como as pan-árabe e nasseristas ou socialistas, mais à esquerda”, diz o historiador (veja a entrevista completa na seção Entrevistas). Roberto Cattani, antropólogo que estuda o islamismo na vertente sufi e que foi correspondente no Egito, destaca o problema dos governos autoritários nos países árabes e islâmicos. Para ele, não se pode generalizar, mas ele acredita que existem governos no Oriente Médio, como o do Irã, que são fracos e que usam episódios como o das charges para criar uma unidade em torno da liderança e desviar a visão de problemas internos. Para ele, apesar de ser difícil fazer uma análise, outros países apresentam problemas com relação ao autoritarismo que surge desse islã político. “Antigamente o Egito tinha uma situação bastante ideal, inclusive, no Egito até os anos 50, o sufismo tinha uma força gigantesca, e quanto mais cresceu o fundamentalismo, mais diminui o sufismo. Quanto mais diminui o sufismo mais cresceu a intolerância. Hoje em dia podemos dizer que são um pouco melhores o Marrocos, pois aí tem uma pressão muito forte do Estado, a Jordânia, a Argélia”. OS EQUÍVOCOS DO OLHAR SOBRE A POLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO Paulo Hilu, antropólogo e coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense, diz que a cobertura sobre a política na região, e a conseqüente imagem que se forma a respeito dela, apresenta vários equívocos. “Existem vários erros. Um deles é supor que todos os regimes da região são islâmicos, o que não é verdade, embora com os últimos acontecimentos, governos islâmicos estão se formando em lugares que não existiam, como no Iraque e na Palestina. Outra coisa é representar o islã de uma maneira única, monolítica, como se o islã só existisse como movimento militante ou fundamentalista, quando existe uma pluralidade de formas de interpretação, de práticas, de vivência do islã”, diz Hilu. Para o antropólogo, um outro erro é a junção que se faz dos governos da região com preceitos religiosos, em oposição ao secularismo dos governos ocidentais. “Acho que nem no cristianismo há essa separação clara, nem no islã você tem essa junção muito clara. Existem países ocidentais que têm religião oficial, a Igreja Anglicana na Inglaterra e a Igreja Luterana na Suécia e na Dinamarca. Você também não pode supor que o discurso político americano atual separe religião de política. Está totalmente investido do cristianismo. Se você quiser, Israel se declara um Estado judeu”. Além disso, o antropólogo constata que muitos governos da região não são religiosos. “O Estado sírio é um estado secular, laico, socialista, que teve grandes problemas em acomodar a religião. Existem vários muçulmanos que são extremamente seculares. As elites urbanas na Síria e, até recentemente, no Iraque, eram, extremamente seculares e tinham uma relação bastante distante da religião e até mesmo anti-religiosa”.