Passado colonial acordou nas revoltas na França
Revoltas de franceses de ascendência árabe conectam-se a passado da violência colonial no norte da África pelas potências européias. Discriminação com relação a argelinos sempre existiu, mas foi acirrada nos anos 90 com o Estado neoliberalNo período em que a Argélia foi colônia da França no século XX, trabalhadores argelinos e franceses dividiam a precária habitação que se chamava Grandes Imóveis. Um modelo de construção muito semelhante aos bairros de periferia da atual Paris, onde ocorreram as revoltas da população pobre do país nos meses de outubro e novembro. Segundo o arquiteto Andrea Piccini, que viveu na Argélia entre 1975 e 1980, como parte da cooperação italiana no pós-independência, muitos grandes proprietários franceses se transferiram para a Argélia, para ganhar dinheiro com empreendimentos na colônia, mas também muitos trabalhadores que não conseguiam emprego na França iam para a Argélia. “Esses Grandes Imóveis já eram criticados por sociólogos naquela época”, diz Piccini. A migração de pessoas em ambos os sentidos – França-Argélia e Argélia-França – era comum. A Argélia, oficialmente, era vista pelos franceses como uma França-além-mar, e não como colônia. Mas o caráter de exploração sempre esteve presente, tanto antes como depois da independência. A Argélia é um exemplo, sob a perspectiva de uma divisão dos geógrafos, do que se pode chamar de colônia de enquadramento. Segundo o professor e geógrafo Aziz Ab´Sáber, “países poderosos iniciaram, no século XIX, um processo de enquadrar alguns países de menor força bélica, do ponto de vista burocrático e bélico”. Ele cita o caso da Índia, pelos ingleses. Apesar de ter um estatuto jurídico que possibilitava a cidadania francesa, os argelinos eram vistos com reservas pelos franceses. Segundo Andrea, como exemplo, “argelinos e franceses não se casavam”. A discriminação em relação não só a argelinos, mas também norte-africanos como um todo, sempre esteve presente. No entanto, eles eram de alguma foram aceitos e as tensões sociais eram menores porque até onde sobreviveu o Estado de Bem-estar social e até quando foram mantidos níveis razoáveis de emprego, a discriminação não gerava uma desigualdade econômica absurda. O problema começa no final da década de 80 e início da de 90, quando ganha força o Estado neoliberal, com pouca interferência do Estado e maior instabilidade nos empregos. Como diz Andrea, “quando você precisa deles, você chama. Quando não precisa, são os primeiros a serem mandados embora”.