Uma linha traçada entre 1982 e 2006
Evento que ocorreu no último dia 21, promovido pelo Comitê de Solidariedade aos Povos Árabes, discutiu a atual conjuntura do Oriente Médio e lembrou o massacre de Sabra e Chatila, que ocorreu no dia 21 de setembro de 1982.No último dia 21, quinta-feira, o Comitê de Solidariedade aos Povos Árabes realizou o debate “A questão árabe e a política imperialista para o Oriente Médio”. A data foi escolhida para que o evento fosse também um momento de lembrança do massacre de Sabra e Chatila, o genocídio de cerca de 3000 palestinos que viviam em campos de refugiados ao sul de Beirute. As populações das duas cidades tiveram que pagar pelo preço da consolidação do Estado de Israel. Durante o debate, não foi possível deixar de traçar uma linha que une o que aconteceu em 1982 ao que aconteceu nos meses de julho e agosto deste ano com os novos ataques de Israel ao Líbano. O próprio Hizbollah - um dos protagonistas da última onda de violência - nasce em 1983, um ano após o massacre, e ganha apoio maciço das populações testemunhas do sangue que foi derramado naquele ano no sul do Líbano. No livro do historiador André Gattaz, “Do Líbano ao Brasil: a história oral dos imigrantes”, ele diz que “sob a vigilância e permissão do exército israelense, as milícias falangistas massacraram os acampamentos palestinos de Sabra e Chatila, (...)”. Apesar de usar uma estratégia para desligar-se do massacre, foi provado que Israel planejou e orquestrou a execução do ataque. Um relatório da câmara dos deputados israelenses na época apontou o então ministro da Defesa, Ariel Sharon, como o responsável pelo massacre, o que levou a sua renúncia. Participaram do debate o professor de Direito Internacional Salem Nasser, o jornalista José Arbex e Waldo Mermelstein, militante socialista, que abriu as falas. E foi mais longe na sua análise. Os ataques a população libanesa de 2006 e Sabra e Chatila estariam inscritos em planos definidos desde o início da criação do Estado de Israel. “Os sionistas estavam preparados, havia planos para fazer na região uma limpeza étnica e retirar dali todos os árabes. Eles usavam expressões como ‘transferência’, um eufemismo. Isso quem revela é toda uma leva de novos historiadores de Israel na pesquisa de documentos da época”. Os atuais muros construídos na Cisjordânia seriam formas de levar adiante essa limpeza étnica. Para o ativista, que viveu em Israel e trabalhou em um Kibutz durante a juventude, não há qualquer solução do conflito no horizonte enquanto a injustiça de 1948 não for reparada e Israel deixar de ser um Estado exclusivo para judeus. “As únicas cidades em que há abrigos anti-aéreos, e os ataques do Hizbollah e suas conseqüentes mortes foram provas disso, são as cidades de judeus. Os árabe-israelenses não têm qualquer proteção nesse sentido (...) O Estado de Israel não tem terras, as terras pertencem ao Fundo Nacional Judaico, o que impede que árabes tenham posse de terras em Israel”. Já Salem Nasser, que tem origem libanesa, destacou a nova perspectiva que o Hizbollah consolida dentro do Líbano. Segundo ele, hoje o Hizbollah “tem o discurso mais responsável da política libanesa. Eles passaram por uma nova experiência militar, com novas táticas. Eles deixaram de lado os ataques suicidas. Agora eles têm um discurso consistente e é o grupo que passa a imagem de honestidade dentro do país”. Nasser teme agora, no Líbano pós-ataques, que haja um acerto de contas político entre as forças libanesas. “Isso é preocupante”. O professor de direito internacional lembrou que qualquer análise dos atuais conflitos não pode se limitar a uma oposição pura e simples entre Israel e o Hizbollah. Deve-se levar em conta que esse conflito se insere em um problema maior constituído pela ocupação da Palestina. “Há uma conexão entre o massacre de Sabra e Chatila de 1982 com o que aconteceu no Líbano este ano. E mesmo naquele momento, não havia como negar o envolvimento da questão palestina no assunto. Os palestinos estavam no sul do Líbano por alguma razão”. José Arbex falou por último. Ele não se centrou na análise da questão palestina ou nos recentes ataques ao Líbano. Preferiu expor uma análise que enxerga uma crise em uma das principais fontes de violência na região, a estratégia dos Estados Unidos para o Oriente Médio, especificamente, e de política externa em geral. Para o jornalista, a principal estratégia de política externa na qual se baseou o governo George Bush Jr., a guerra ao terrorismo, dá sinais de crise. “Há uma estratégia do governo Bush, a estratégia do terrorismo, e ela está caindo por terra”. Tal estratégia foi montada após o vice-presidente ter apresentado relatório que indicava que as reservas estratégicas de petróleo (abastecimento interno sem necessidade de importação) dos Estados Unidos duram no máximo três anos. Difundiu-se então um medo que justificaria as ações do país no Oriente Médio. Um dos sinais do fracasso dessa política seria o fato de republicanos acusarem os democratas de proteger terroristas. “Isso é uma reedição do macarthismo, que em sua pior fase fez com que o presidente dos Estados Unidos acusasse seu próprio ministro da Justiça de comunista. Também começa a aparecer o problema do fantasma do Vietnã em meio à população estadunidense”. Além disso, ele aponta que a justificativa de Bush para a guerra no Iraque como caça a terroristas perde cada vez mais apoio, tanto da mídia como da população. Arbex acredita que a crise do imperialismo pode arrasta toda a humanidade para uma crise sem precedentes e só uma frente poderia combater e impedir um quadro geopolítico desastroso. “A coesão só pode se dar por um motivo: você está contra o terrorismo, não importa o resto, então estamos juntos”.