Paz versus agressividade

Sex, 26/05/2017 - 13:55

 

O novo Embaixador de Israel no Brasil opina, em O GLOBO, que o ”Brasil precisa ser neutro para contribuir à paz”. É difícil entender o que pretendeu dizer Yossi Shelley, tendo em vista que por definição “neutra” é a nação cujo território os países beligerantes se comprometem a respeitar e o Brasil não é beligerante e nem tampouco desrespeita território de país algum, membro ou não das Nações Unidas.

É difícil fazer um israelense ser preciso naquilo que pretende afirmar, pois geralmente fogem do assunto ou, o que é pior, se distanciam da verdade e da realidade. Os exemplos são muitos.

Ninguém duvida da intenção do recém-chegado diplomata; ele quer dizer, com toda certeza, que o Brasil será neutro e contribuirá para a paz se apoiar Israel. Não há qualquer dúvida a este respeito.

Tomemos um exemplo recente: o Brasil votou na Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) contra o exercício de uma soberania ilegal pretendida por Israel sobre Jerusalém. Para Israel, nas entrelinhas da fala do Embaixador, o Brasil não foi neutro, pois para sê-lo deveria votar contra a Resolução e apoiar a absurda “soberania” conquistada pela força em contradição com a decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) que votou pela neutralidade de Jerusalém, na mesma votação da partilha da Palestina.

A este respeito ainda, o Estado que ocupa a Palestina não só desconheceu como rasgou as Convenções de Genebra, que lembramos ao senhor Shelley, e lembrar é preciso, já que afirma ter vindo do setor empresarial e por esta razão talvez não saiba que estas Convenções são uma série de tratados internacionais concluídos entre 1864 e 1949 (mais dois aprovados em 1977) com o propósito de melhorar os efeitos de guerra sobre soldados e civis. E, já que o Embaixador garantiu que não existem assentamentos na Cisjordânia, mas uma situação de guerra, ele e o seu governo deveriam respeitar as Convenções de Genebra que se aplicam à Cisjordânia e muito mais a Jerusalém. Só que lamentavelmente Israel não tem por costume respeitar os direitos alheios e obviamente o dos árabes palestinos.

Ignorando as Convenções, se pouco mais pressionado, o Embaixador não deixaria de dizer que Israel foi estabelecido e declarou sua independência devido a uma resolução da AGNU, mas negaria o que diz o mesmo documento a respeito da neutralidade da cidade sagrada de Jerusalém para as três religiões abraâmicas e o fato de a dita Resolução também ter dado parte da Palestina aos árabes. O território que a AGNU deu aos árabes é hoje território ocupado militarmente por Israel, caindo por terra, por todas estas razões, que não se trata de “terra em disputa”, como quer o empresário.

Sabemos que a “neutralidade” que Israel pede do Brasil não é por ele aplicado quando impõe à Palestina, inteira ou partilhada, uma ocupação agressiva, ilegal, militar, ao estilo nazista, conforme vimos acima, e atesta, entre muitos outros fatos condenáveis, a prisão de crianças de até oito anos e milhares sem culpa formada.

Israel não entende de neutralidade e sim de agressividade desde antes, durante e depois do estabelecimento do Estado que pretendem estender desde o Nilo até o Eufrates. Israel pode negar, como sempre o faz, mas sua bandeira testemunha isto: uma estrela de David entre aqueles dois rios. Pergunte-se ao novo Embaixador, ele provavelmente negará.

Como quer Shelley que os árabes da Palestina “se constr[uam] sozinhos” se estão sob ocupação militar. Ghazza cercada por terra, mar e ar está impossibilitada até mesmo de receber ajuda humanitária. Que o Embaixador faça uma revisão do histórico das tentativas de barcos pacíficos levando remédios e alimentos para Ghazza, onde será que estaria ele quando ocorreram tais acontecimentos que causaram a morte de nove cidadãos pacíficos desarmados por soldados israelenses armados e agressivos?

Quanto à Cisjordânia que se encontra fatiada de tal forma que as crianças que vão às escolas e os adultos que vão trabalhar suas terras perdem horas para chegar a seus destinos e outro tanto tempo para voltarem a suas casas todos os dias que o sol nasce e se põe? Lembremos a Shelley que a Margem Direita do rio Jordão é a Cisjordânia que a AGNU destinou aos árabes e que os sionistas ocupam militarmente, assim como o Julan ou Golan (também chamado pelos árabes de Jabal al-Druz). Deve ser doce a água conquistada dos vizinhos por agressão de forças armadas. Os sionistas são, de fato, pessoas ruins que só entendem de força e por esta razão provaram o sabor da derrota nas mãos do Hizbullah que os expulsou das terras libanesas que ocupavam. Que não venha o Embaixador citando a “bondade” israelense ao desocupar Ghazza e ele deve saber as razões pelas quais Ariel Sharon, o Carniceiro de Beirute, desocupou aquela terra e transformou-a em situação pior que a ocupação através do cerco.

Parece que o Embaixador nos julga como cantava Adoniran, que “semo tatu” e vamos acreditar em tudo o que “Arnesto” diz? Sabemos, isto sim, que os árabes vão às Nações Unidas e voltam com Resoluções mostrando que é Israel e os israelenses, salvo exceções, que não “sabem tratar de direitos humanos” e as provas são que das sedes da ONU os árabes sempre saem com condenações a Israel, Resoluções que Israel, nunca cumpre. No Conselho de Segurança, Israel raramente é condenado, pois conta com o veto estadunidense e nos raros casos de condenação também não cumprem, é um Estado fora da Lei e dos Direitos Humanos.

O Embaixador dizer que não existem assentamentos na Palestina, chega a ser risível. Que nos diga onde mora o Embaixador que queriam nos impor e o Brasil o recusou por ser considerado um fora da Lei que habita uma casa construída em terra que não lhe pertence e que por ela nada paga. Aqui no Brasil, se alguém se apodera de terreno alheio e nele constrói uma casa, ele será julgado e condenado e esta deveria ser a Lei também em Israel, mas o Estado Hebreu é composto, salvo exceções, somente por “pessoas ruins” e que não têm respeito pelo direito dos outros. Ao Embaixador certamente falta uma escola de diplomacia e direito internacional para saber que a legislação internacional não estipula que territórios dominados por forças armadas estrangeiras são simplesmente territórios ocupados e não territórios em disputa. Este é mais um tipo de falácia que Israel usa para justificar suas agressões aos direitos humanos e a ocupação de terras que não lhe pertence, entre outros crimes.

Negócios com Israel o povo brasileiro está consciente das circunstâncias de sua produção e somos um povo que não quer partilhar de um processo que fere aos Direitos Humanos. Somos, por exemplo, contra a venda de cítricos plantados por palestinos, nas cercanias de Haifa, há dois ou mais séculos, sequestrados pelo Governo israelense que querem vendê-los ao exterior como “Made in Israel”; ninguém mais aceita este tipo de roubo do bem alheio cujo resultado serve, entre outros fins, para a construção de moradias em terras ocupadas da Cisjordânia.

Finalmente, devemos afirmar que a Casa de Rio Branco não precisa de ensinamentos de um país que não cumpre com o Direito Internacional e, sobretudo com os Direitos Humanos.

Os árabes, cristãos ou muçulmanos, e os judeus brasileiros são exemplos para Israel se comportar em favor da Paz interna e externamente e falta muito para aprenderam as lições de convivência que nos une aqui no Brasil.

Queremos Paz, não Agressividade.

 

José Farhat, cientista político e arabista, é diretor de relações internacionais do Instituto de Cultura Árabe (ICArabe).

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