Artigo: Quando surgiu o terrorismo

Seg, 31/10/2016 - 15:07
Publicado em:

Por José Farhat


            Até em blog no Estadão surgiu a pergunta: “Porque não havia terrorismo associado ao Islamismo, antes dos anos 1980”. Respondi há mais de um ano e até hoje minha resposta não foi publicada. Talvez eu não tenha visto a resposta ou não responderam mesmo, mas pouco importa. O artigo do Estadão ia além ao dizer: “Uma pergunta que poucos fazem é sobre quais seriam os motivos de quase todas as organizações terroristas dizendo agir em nome dos muçulmanos terem sido formadas nos últimos 30 anos. Mais interessante, por que algumas das mais radicais, como Boko Haram e o Estado Islâmico (considerado extremista até pela Al Qaeda), foram fundadas apenas neste século?”

            De fato, em minha opinião, poucos fazem esta pergunta e, então, vamos raciocinar a respeito.

O Hizbullah é chamado pelos inimigos do Líbano como uma organização xiita terrorista, fundamentalista retrógrada cujo líder é um “rato que vive escondido no esgoto”. A realidade, no entanto, é outra e não agrada aos sionistas, pois o líder do Hizbullah não é bobo para se exibir ‘a descoberto’ ao público a toda hora.

A adjetivação do “Partido de Deus” declarada por seus inimigos está certa ou ele é, pura e simplesmente, um partido nacionalista, criado no Sul do Líbano ocupado por Israel, para defender o Líbano e também outros países árabes da ocupação estrangeira que tem em suas fileiras seguidores de todos os credos reconhecidos no País dos Cedros? O correto é óbvio e só não o vê quem prefere a noite escura aos raios solares?

Já o Hamas, para seus inimigos, não passa de uma organização terrorista que ataca pacíficos cidadãos civis israelenses que vivem calmamente adorando a D’us em suas casas. A realidade é que se trata de uma organização que existe para defender a sua pátria, cercada por terra, mar e ar, contra intrusos que ocupam as terras onde viviam. As militares que ocupam Gaza e toda a Palestina têm uma força militar milhares de vezes maiores que a do Hamas e assim mesmo querem passar ao mundo a ideia de que os palestinos são os agressores.

Outra indagação seria: quem é mais fundamentalista religioso, o Hamas ou o Yisrael Beitenu e quem dentre os membros dos dois partidos tem mais ligação com a terra palestina, Mughnieh que nela nasceu ou Liberman que nasceu numa das repúblicas da então União Soviética? Que dizer de Gopstein, do Lehava, agremiação conhecida por sua apologia ao ódio e à violência contra os palestinos e dos africanos que pretendem se naturalizar?

Num post anterior, alguém transcreveu um longo trecho do que disse ser o programa do Hamas – e talvez o seja mesmo, pois é só o que resta ao partido palestino quando se vê em face do livro Torat Ha’ Melekh de autoria de diversos rabinos onde está escrito que “se há uma razão de crer que filhos de gentis possam um dia nos prejudicar, é deliberadamente permitido matá-los”.

Isto demonstra, e ficou omitido no citado post, talvez de propósito, a influência negativa que trouxe para os árabes, independentemente de religião, a instalação em suas terras de um organismo político-religioso que em nada se assemelha a eles e que tem em seus partidos de direita, que são atualmente maioria, uma pretensão clara e cristalina de que os árabes devem morrer.

É pura coincidência que os movimentos que provêm de regiões de maioria islâmica e consequentemente têm conotação próxima da religião, mas não tão próxima desta quanto do nacionalismo sejam confundidos com o Islã o qual, diga-se de passagem, prega o contrário do que os movimentos ditos islâmicos pretendem enfiar goela abaixo dos nacionalistas que os cercam.

A incoerência dos sionistas e seus apoiadores, assim como de certos regimes de países de maioria árabe e ou muçulmana e de potências locais, como Turquia, ou potências estrangeiras como Estados Unidos, Reino Unido e França entre outras é evidente: declaram combater o Estado Islâmico, mas fornecem a estes inimigos do Islã condições para que atuem criminosamente contra a segurança dos povos da região, os únicos prejudicados e maiores merecedores da paz que os habilitará para enterrar seus mortos, cuidar de seus feridos, reconstruir a suas terras arrasadas e voltarem a usufruir da liberdade que lhes foi tomada, desde o Iêmen, a Palestina, a Síria, o Iraque e além.

Isto dito, está claro que o ‘terrorismo islâmico’ foi promovido como tal quando o conceito de “umma” e “nação” não atendia mais, por ineficácia, à política externa de Tel Aviv, Washington, Paris e outras, e encontraram na religião um novo modo de tentar dominar árabes e muçulmanos.

Este novo recurso está fadado ao fracasso como o foi o mesmíssimo tentado pelo regime fundamentalista do Império Otomano.

José Farhat é cientista político, arabista e dretor de Relações Internacionais do ICArabe

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