Artigo - Brilha quem tem luz
Osias Wurman, como jornalista, honra a profissão – digo-o tranquilamente, apesar de divergirmos consideravelmente; mas, como Cônsul Honorário de Israel no Rio de Janeiro, é certamente ele, o profissional jornalista, quem honra o país que representa, e não o contrário. Risca toda a consideração por ele ir por águas abaixo devido, por exemplo, o recente artigo publicado em O GLOBO, sob o título “O Brilho de Israel”. Nele Wurman aponta que “Um abismo separa a qualidade de vida e a contribuição para o bem da Humanidade, produzidas pelos israelenses, quando comparadas com todos os países limítrofes”.
É verdade que o abismo existe, principalmente para os palestinos que há quase 70 anos lutam para ficar ou para voltar para as terras onde moravam ou, para alguns, onde continuam apesar dos pesares.
Divergimos quanto ao bem que Israel faz à humanidade. Não somos daqueles que aprovam a partilha feita pela Assembleia Geral das Nações Unidas entre árabes e judeus, o que já é um crime: dividir uma terra que não pertence ao divisor, dando uma parte menor aos seus moradores seculares e dar outra parte maior a pessoas que vieram de longe. Se ao menos a AGNU tivesse consultado os ocupantes das terras, ou proposto recompensa por aquilo que deles tirava, ainda haveria algum tipo de fingimento de mérito. O que aconteceu, porém, e talvez Wurman considere o fato “contribuição para o bem da Humanidade” é que os sionistas acabaram ocupando, além dos 55% que lhes tinha sido presenteado, grande parte das terras daqueles que tinham perto de 100% da área territorial. A quase totalidade que os palestinos tinham está hoje reduzida a menos de 22% de terras que por sua vez está militarmente ocupada e seus habitantes não têm dentro delas sequer liberdade de locomoção ou de uso.
Cada povo tem seus sonhos e ninguém tem o direito de realizar o seu próprio sonho à custa do sonho dos outros e é o caso dos palestinos. Realizar “um sonho de uma noite de verão” ou um sonho mais longo, até mesmo milenar, com base em mentiras forjadas, como é a Declaração Balfour que não passa, na realidade, de um governo dar a terceiros o que não lhe pertence; como foi também o Plano de Partilha da ONU para a Palestina (1947), documento feito às pressas e sob pressão, com base no qual a AGNU também, repitamos, presenteou um sonho atual e uma vida pacífica de um povo para que outros que “vieram do frio” dela tomassem posse. Isto é simplesmente um crime, uma safadeza.
Teodor Herzl não honrou a sua profissão de jornalista e, sabendo por relatos de gente sua, que a Palestina não era “uma terra sem povo para um povo sem terra” e sua lealdade para com o tal “sonho milenar” era tão frágil que também, entre outras possibilidades, indicou a Patagônia igualmente como possível terra a ser ocupada pelos sionistas, sem se dar ao trabalho de consultar os argentinos ou a Deus que falsamente ele dizia acreditar que havia presenteado a Palestina aos judeus. Isto me faz lembrar meu bisavô dizendo a um falso contador de casos: “Conta outra, Bachir”.
A Declaração da Independência do Estado de Israel foi indecorosa, tanto por não se saber de quem os sionistas se independiam, quanto a estabelecer um Estado em terra sobre a qual não tinham a necessária soberania. Criminoso também foi o ato, pois David Ben Gurion concomitantemente ordenou atacar os árabes palestinos onde quer que se encontrassem, em ambas as partes da partilha criminosa da Palestina. A força de baioneta prestou um serviço que Wurman talvez considere um belo serviço prestado à Humanidade.
Que não nos venham, mais uma vez bajulando o Brasil enaltecendo o papel de Oswaldo Aranha na “Partilha da Palestina”. Ainda há pessoas vivas que conhecem o assunto por dele terem participado e sabem que Aranha nada fez por convicção ou espírito de justiça ou por ordens do Governo brasileiro, e sim por instruções diretas do Departamento de Estado, dos Estados Unidos da América, a troco do apoio estadunidense futuro para que Aranha fosse o próximo presidente do Brasil.
Repugnamos todos os crimes nazistas contra os judeus e outros grupos vítimas do regime maldito de Adolf Hitler. Sem o regime nazista é duvidoso que os judeus bem situados nas sociedades europeias, ou mesmo das classes favorecidas ou perto dessas, deixassem sua vida bem estruturada na Europa e viessem para a Palestina. Eles até hoje não vieram e preferiram limpar a consciência doando dinheiro.
Sobre a saída de centenas de milhares de palestinos da Palestina, que Wurman não negue que conhece que o chamamento atribuído aos governantes árabes nunca existiu, está provado e ele sabe onde encontrar a comprovação. A escuta britânica das emissões de rádio o comprovam.
Convidamos Wurman a responder, e este é um desafio, o que aconteceu com a aldeia palestina de Tarbikha e de seus habitantes da família Farhat, um exemplo, isto sim daquilo que aconteceu com centenas de outras aldeias palestinas que transformariam o tal “chamamento dos governos árabes” se tivesse existido, em mera brincadeira infantil de “amarelinha”.
Há três famílias libanesas judias que nos contaram como foi a verdadeira saída deles do Líbano: eles simplesmente ficaram fascinados com as promessas dos emissários da Organização Sionista que vieram contar o que de bom os esperava em Israel, só que lá foram discriminados, saíram de lá, duas vieram para o Brasil e uma foi para os Estados Unidos. Não há dúvida que um regime como o de Saddam Hussein, por exemplo, tenha de fato perseguido os judeus, mas dizer que todos os judeus foram expulsos dos países árabes é meia verdade. Wurman pode ir visitar a Sinagoga de Beirute, recém-reformada, e lá encontrar judeus felizes por serem libaneses. A Sinagoga fica ao lado de uma Mesquita e de uma Igreja, sabia?
Israel sabe como alcançar a Paz com seus vizinhos, basta não torpedear as negociações no nascedouro.
Wurman sabe que o modernismo, a inovação, a tecnologia, às conquistas científicas de Israel e tudo o mais, é uma obrigação, tendo em vista que estão numa terra que nada lhes custou e recebem verbas e doações a fundo perdido que tudo isto permite e ainda sobra para comprar armamentos para ameaçar os seus vizinhos palestinos e os países limítrofes. Com terra abundante de graça e dinheiro farto dado até símios construiriam um país exemplar.
É desolador ouvir as dádivas e tecnologias que Israel distribui aos longínquos africanos e cabe perguntar por que não fazem o mesmo com os palestinos, a metros de distância, em vez de maltrata-los sem dó.
Em vez de contar os mortos israelenses, vamos fazer o mesmo com os palestinos e, também, contar seus mortos, seus banidos, seus filhos e netos que vivem há 70 anos à custa das Nações Unidas.
O brilho desta comparação mostrará quem tem e quem não tem luz para brilhar.
José Farhat, cientista político e arabista, é diretor de relações internacionais do Instituto de Cultura Árabe (ICArabe)