Os árabes na Bienal
De acordo com a curadora associada desta Bienal, Luiza Proença, a ideia é mostrar ao público que não há um tema específico para a mostra, e que a proposta surgiu de pesquisas e encontros feitos no Brasil e na América do Sul. “‘Como falar de coisas que não existem’ é um título que encontramos para sugerir essa experiência e que a arte é capaz de trazer à tona coisas que ainda não existem, porque não foram inventadas, ou que são invisíveis na nossa vida contemporânea”, afirmou Proença à ANBA.
Entre os árabes que criaram projetos para a mostra há uma egípcia, dois libaneses e três palestinos. Anna Boghiguian, do Egito, propõe em sua instalação “Cities by the river” ("Cidades à beira do rio" em tradução livre) uma “viagem” pelo Rio Nilo, o maior do mundo em extensão e fundamental para a formação do Egito. Nesta viagem, o visitante passeia em um túnel formado por favos de mel repleto de pinturas. Nas paredes externas, diversos versos e fotos narram histórias sobre o rio.
Em outro projeto, o libanês Tony Chakar questiona a relação entre arte e tecnologia. Seu trabalho “Cem mil solidões/Sobre outros mundos que estão neste” é formado por imagens de pessoas fotografadas por ele, a esmo, em diversas cidades, em variados países. Sobre cada imagem, um poema: “Tenso como em um delírio, eu bebi/dos olhos dela, o céu claro onde as tempestades germinam/ a doçura que fascina e o prazer que mata” é um dos poemas sobreposto em uma foto.
O artista afirma que seu objetivo era fazer fotos de paisagens, mas as máquinas fotográficas atuais sempre buscam o rosto das pessoas, são programadas para isso. Por fim, ele questiona a relação entre arte, tecnologia.
Os insurgentes
“Os insurgentes incidentais 2012-2014” é assinado pela dupla Basel Abbas, que nasceu no Chipre, viveu em Ramallah, na Cisjordânia, e vive em Nova York, e Ruanne Abou-Rahme, que nasceu e vive nos Estados Unidos, e cresceu em Ramallah. A instalação é dividida em duas partes e se vale dos conceitos de anarquismo e rebeldia para expressar o sentimento de desejo, revolta e questionamento dos artistas.
Na primeira parte do projeto, um curta-metragem exibe os artistas viajando de carro nos territórios palestinos. Ainda neste segmento da obra, os artistas dispõem em um escritório bagunçado livros e textos que fazem referência a personagens do século 20 relacionados à rebeldia. Um desses exemplares é o livro “Os detetives selvagens”, do chileno Roberto Bolaño, que narra uma viagem despretensiosa e com fatos questionáveis de dois jovens poetas. A segunda etapa, “Anos imperdoáveis”, faz referência à criação literária. O visual é praticamente o mesmo do primeiro espaço, mas o tema dos desenhos, rascunhos e livros é diferente.
Walid Raad, do Líbano, pesquisou a influência árabe em São Paulo no primeiro semestre deste ano antes de criar um trabalho para a Bienal. O resultado desta pesquisa é a obra “Cartas ao leitor” (“Letters to the reader”) com diversos painéis que representam molduras da arquitetura árabe. Ao fim, um último painel “explica” os onze anteriores.
Os desenhos originais foram encontrados em um arquivo do hospital Sírio-Libanês em 2012 e foram feitos em 1931 por Suha Traboulsi. A artista sentiu que a arte árabe estava se perdendo e construiu os painéis como uma possível “ressurreição” dela numa cidade como São Paulo, que ela compreendeu ser “hospitaleira” para tal recuperação.
"Mujawara", ou “vizinhança” em árabe, é assinada por Alessandro Petti, Sandi Hilal, do Líbano, e o grupo Contrafilé. Esta obra vai além da exposição e se insere num projeto educativo, o “Campus in Camps”, desenvolvido a partir da realidade dos refugiados palestinos e que mostra a convivência em comunidade e o uso dos espaços.
“Sempre pensamos na ideia de compartilhar contextos. Desse modo, em 'Mujawara' temos a colaboração de um coletivo da Palestina com um brasileiro, pois ambos trabalhavam uma questão muito semelhante (a relação de diversas comunidades com a terra) em dois países muito distantes", disse Luiza Proença.
"Já no caso de Walid Raad, artista que vem pesquisando o fenômeno recente da arte árabe 'islâmica' moderna e contemporânea no mundo, pensamos no fato de o Brasil ter uma comunidade libanesa maior do que no próprio Líbano e um mercado de arte bastante aquecido”, acrescentou a curadora associada.
Conflito em foco
Em muitos dos trabalhos desta Bienal os temas relacionados ao conflito, confronto e manifestações estão presentes. Isso ocorre com trabalhos brasileiros, latino-americanos europeus e árabes, a exemplo de “Os insurgentes”. O tema, contudo, não foi uma imposição, embora esse assunto tenha sido também utilizado pelos curadores.
“Na curadoria nós usamos a palavra 'conflito' e de fato dizemos que muitos dos projetos têm em suas bases relações e confrontos não resolvidos: entre grupos diferentes, entre versões contraditórias da mesma história ou entre ideais incompatíveis. Mas assim como essa ideia de conflito, nós trazemos também as noções de 'coletividade' – pois as dinâmicas geradas pelos conflitos apontam para a necessidade de agir em grupo -, 'imaginação' e 'transformação' - entendendo que a arte e os artistas podem imaginar o mundo diferente e apontar para uma mudança. Essas ideias estão conectadas entre si de várias maneiras e estão presentes nos projetos da 31ª Bienal de diversas formas”, afirma Proença. Além dos trabalhos expostos, há uma programação paralela, com saraus e apresentações.
Serviço
31ª Bienal de SP
Até 07 de dezembro
Terças, quintas, sextas-feiras, domingos e feriados, das 09 às 21 horas
Quartas-feiras e sábados, das 09 às 22 horas (entrada até às 21 horas)
Fecha às segundas-feiras
Parque do Ibirapuera, portão 03, Pavilhão da Bienal, São Paulo
Grátis
Informações: www.31bienal.org.br