Sírio ganha o mundo com sua arte digital

Sex, 22/03/2013 - 10:33
O artista Tammam Azzam, 33, cresceu em Sweida, no sul da Síria. Fez carreira como pintor em Damasco, mas teve sua vida interrompida pela guerra civil, que na semana passada completou dois anos. Temendo ser recrutado pelo serviço militar do governo, fugiu para Dubai no final de 2011, com a esposa e a filha de seis anos. No exílio, sonha todos os dias em retornar à Síria. Reinventou-se e fez da arte digital seu protesto. Em fevereiro, uma de suas obras virou viral na internet, foi compartilhada por milhares de pessoas no mundo todo e se tornou um emblema da revolução síria. Era uma imagem de “O Beijo”, do pintor simbolista Gustav Klimt (1862-1918), sobreposta em uma foto de uma parede destroçada por tiros e bombas na Síria, como conta o artista na entrevista a seguir:

ICArabe – Você esperava que sua releitura de “O Beijo” fosse virar um sucesso online?
Tammam Azamm -
Quando postei a foto-montagem de “O Beijo” ela foi compartilhada por 2.000 pessoas na minha página e, em outras 10 páginas, foi compartilhada por mais 6.000 pessoas. E depois de uma semana quando a Saatchi Gallery postou em sua página, a imagem foi compartilhada por mais de 20 mil pessoas. É um mistério artístico, se eu soubesse o porquê, então, tudo o que eu produzisse teria o mesmo sucesso. Mas é impossível saber o motivo. Você pode inferir algumas coisas, mas não pode ter certeza do motivo. E eu não quero repetir o tema de “O Beijo”, quero partir para outras mensagens.

ICArabe – Mas muitas pessoas pensaram que a imagem era um graffiti, não?
Tammam Azamm -
Muitas pessoas pensaram que “O Beijo” era um graffiti sim. Mas qual a diferença? Se é digital ou real, a mensagem por trás deste trabalho é a mesma. Espero poder transformar estas peças digitais em peças reais um dia, no futuro. Em graffitis na Síria. É uma ideia, para um dia quando eu voltar à Síria.

ICArabe – Qual a mensagem que você quis passar com “O Beijo”?
Tammam Azamm -
“O Beijo” faz parte de uma série de trabalhos chamada “Syriam Museum”, que eu criei usando ícones da pintura de grandes mestres, como Picasso, Matisse e Goya.  Eu queria usar imagens muito famosas para chamar a atenção para a guerra na Síria. Porque, por exemplo, até hoje as pessoas falam sobre a pintura de Goya, “Três de Maio de 1808”, é a história de um dia na história da Espanha em que centenas de pessoas morreram [durante a resistência espanhola ao Exército do imperador francês Napoleão Bonaparte]. As pessoas no mundo inteiro ainda falam sobre isso. Mas hoje temos centenas de pessoas sendo mortas na Síria todo dia e o mundo não se importa.

ICArabe – E como você escolhe as fotos da guerra na Síria que são usadas de fundo?
Tammam Azamm -
Muitas pessoas que estão lá na Síria tiram fotografias da guerra o tempo todo. Estamos conectados pelo Facebook e eles me mandam imagens em alta resolução para este meu trabalho. Mas eu não posso divulgar o nome deles agora porque é muito perigoso. Essas fotos vêm de Damasco, Homs, Deir Zor, de todos os lugares.

ICArabe – Acha que a internet faz a diferença na divulgação do seu trabalho?
Tammam Azamm -
Eu quero que as pessoas usem minhas imagens, faz parte da mensagem que tento passar com minha arte. Quando me perguntam se posso compartilhar, eu digo que sim, claro! Comecei a usar o Facebook aqui em Dubai. Antes não gostava muito, mas agora é a principal maneira de compartilhar meus trabalhos.

ICArabe – Quando você começou a trabalhar com arte digital?
Tammam Azamm -
Antes na Síria, trabalhava como artista fazendo pinturas e como freelancer de design gráfico para várias empresas. Quando eu mudei pra Dubai e não tinha um estúdio, decidi fazer algo com o computador. Foi quando comecei meus trabalhos de arte digital sobre a Síria. Agora também tenho outros projetos digitais. Um chamado “Syrian Revolution Places”, com página no Facebook, é uma coleção de pôsteres para cada cidade da Síria onde a revolução passou. Antes da revolução, a gente não ouvia nada sobre as outras cidades da Síria. Se você morasse em uma, não sabia o que estava acontecendo na outra vizinha. Decidi fazer um souvenir para cada cidade envolvida na revolução. Até agora fiz para 80 lugares, mas o plano é ampliar para mais de 600 cidades na Síria. Cada imagem tem um texto em árabe com informações sobre a cidade, origem do seu nome, dados históricos etc. O texto não é político, é sobre a história desses lugares, mas o título é ‘Damasco na revolução’, ‘Homs na revolução’ e assim por diante.

ICArabe – Você acredita que seu trabalho como artista pode ajudar a mudar a situação na Síria hoje?
Tammam Azamm -
Não. A arte pode falar muito sobre o que acontece lá, mas não pode mudar nada neste caso. Porque você está falando de arte versus armas. Não é possível equiparar essas duas coisas. E o meu caso é só um do qual se ouve falar porque estou fora da Síria. Há muitos artistas na Síria produzindo coisas sobre a revolução, mas pouca gente ouve falar deles. Acho que 80% dos artistas estão com a revolução, mas como em qualquer lugar do mundo você também encontra gente a favor do regime. Só artistas fora da Síria podem divulgar mais seu trabalho hoje, mas eles não estão organizados e estão distantes geograficamente. Tem gente no Líbano, outros na Turquia, na Europa, alguns em Dubai.

ICArabe - Você deixou a Síria após o aumento da violência no país?
Tammam Azamm -
Depois da revolução, tudo piorou cada vez mais. Então, decidimos sair de lá. Mas foi complicado, demorou para arranjar tudo para uma nova vida para minha mulher e minha filha. Continuamos morando na Síria por oito meses depois do início da revolução, depois viemos para Dubai. Minha mulher e minha filha estão comigo agora, só meus pais e meu irmão ficaram na Síria. Tenho uma irmã que mora em Londres.  Não há solução à vista e todo mundo que pode sair da Síria está deixando o país. Todo mundo quer sair do país, não só os artistas.

ICArabe - O que você espera para o futuro do país?
Tammam Azamm -
A situação é muito, muito ruim hoje na Síria. É impossível esperar qualquer coisa boa, mas quando este regime cair tudo vai melhorar para a Síria. Se um regime usa bombas e tiros contra seu próprio povo, não há mais o que dizer. Quando ele cair, poderemos voltar a planejar o futuro. É duro para mim e minha família vivermos refugiados agora. Queremos voltar para a Síria. Todos os dias, acordamos esperando ser o último dia longe de casa. Todos os sírios querem voltar para a Síria amanhã se puderem. Mas viver na guerra hoje é impossível.  Primeiro, pensamos que a revolução ia durar dois ou três meses, no máximo. Mas quando um regime como esse usa todo seu poderio militar contra seu povo e a comunidade internacional não faz nada, será um conflito que vai durar muito tempo. Se o mundo se envolvesse mais, seria melhor. Mas ninguém se importa, de fato. Recebi um convite para o lançamento de um livro na França, em que foram usadas 10 de minhas imagens. Mas a embaixada francesa não me deu o visto. Por quê? Porque eu sou sírio. O mundo diz que está ao lado do povo sírio, mas ninguém lhe dá um visto. É complicado.


* Carolina Montenegro é jornalista. Há mais de cinco anos cobre Oriente Médio e África para a grande imprensa nacional e internacional. É autora da Editora Record e atualmente escreve um livro sobre a Primavera Árabe.


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