Congratulações ao presidente e pêsames ao povo do Egito
O Egito (78 milhões de habitantes) estará vivendo, no dia 7 de setembro, uma eleição figurativa. O presidente Mubarak, que está no poder há 24 anos, disputará o cargo com nove candidatos fracos e sem nenhuma chance de vitória. A lista foi divulgada no dia 11 de agosto, após a exigência de polêmicos e rigorosos requisitos para a apresentação de candidaturas. Isto é, os candidatos têm apenas 18 dias para divulgar os seus nomes e fazer as suas campanhas eleitorais. A campanha eleitoral começou oficialmente no último dia 17 e terminou em 4 de setembro. Se nenhum candidato conseguir 50% dos votos na votação do dia 7, haverá segundo turno, dez dias após, entre os dois candidatos mais votados. É bom lembrar que lá não há urnas eletrônicas. Desde 1952, o Parlamento – dominado pelo governo – indicava um candidato único a respeito do qual os eleitores podiam dizer apenas sim ou não. Isto é, um referendo sobre o nome de apenas um candidato, previamente escolhido pelo Parlamento, que sempre foi o próprio presidente. Protestos contra o governo Mubarak e contra as leis de emergência no Egito, ambos nasceram juntos em 1981, têm se tornado cada vez mais constantes. Tais leis permitem ao Estado manter suspeitos detidos por tempo indefinido sem necessidade de nenhum julgamento. Uma nova lei, a partir de 2005, permite que partidos políticos estabelecidos há pelo menos cinco anos lancem candidatos, desde que tenham pelo menos 5% dos assentos do Parlamento e consigam a assinatura de mais de 250 dos 545 membros da Câmara Baixa (assembléia popular). A oposição tem apenas 34 cadeiras, no universo de 454 deputados. As restrições ao processo eleitoral o transformam, portanto, em mero referendo, disfarçado em eleições, para manter o atual mandatário na cadeira do poder. Centenas de jovens universitários, e de lideranças políticas, foram detidos em março deste ano durante uma série de manifestações a favor da reforma eleitoral e permaneceram presos por meses, acusados de pertencerem a movimentos ilegais e levantes populares. Junto com Mubarak, candidato do governante Partido Nacional Democrático (PND), apenas há dois candidatos que têm alguma energia para tentar marcar presença durante o processo: Numan Gumaa, presidente do partido histórico Al-Wafd, e Ayman Nour, líder da recém legalizada formação Al-Ghad. O Comitê Eleitoral se nega a permitir que as ONGs egípcias enviem observadores aos locais de votação. Os únicos observadores autorizados oficialmente são os juízes, que exigem garantias de transparência. A tradição de fraude eleitoral no país requer a supervisão de juízes independentes e de instituições de credibilidade. Por isso, muitos dos partidos esquerdistas, nacionalistas e comunistas já anunciaram que boicotarão o pleito, e com as eleições se aproximando, o clima político está esquentando com protestos populares cada vez mais constantes e mais ousados. Mubarak pretende manter a mesma política externa pragmática, marcada por sua estreita relação com os Estados Unidos. Vendo este quadro, não consigo achar outros motivos para dar os parabéns ao presidente Mubarak, além do resultado garantido das eleições no dia 7/9/2005. Por outro lado, deixo os meus pêsames ao povo egípcio, pelo seu sofrimento que vem aumentando cada dia que passa. Hoje o analfabetismo já supera mais da metade da população, e junto com outros péssimos indicadores, o Egito se encontra na 115ª posição no ranking do IDH, entre 173 países. Se os indicadores revelassem sucesso, melhora nas condições de vida, economia mais sólida, menos desemprego, credibilidade política maior interna e externamente, direitos humanos respeitados, melhora na educação, saúde e serviços públicos, menos corrupção e mais dignidade do cidadão egípcio, daria para justificar mediante a opinião pública mundial o porquê da perpetuação do presidente no poder. Uma comissão eleitoral que não respeita as sentenças judiciais, um parlamento com maioria governista legislando em causa própria, e recusando a inscrição de mais de dois terços dos candidatos, é no mínimo imoral. Egito, lamentavelmente, tornou-se um país “faz de conta”. O Mubarak pode, e vai sem dúvida, perpetuar no poder, usando a força da repressão, autoritarismo, censura e desrespeito aos direitos humanos. Porém, e com a mesma intensidade, ele só terá no coração de seu povo, ódio e desprezo. Fechando revistas e jornais, reprimindo manifestações populares, e mantendo uma estúpida lei de emergência, para justificar o modo desumano, antidemocrático, e catastrófico de governar um povo que tem a sua história gloriosa ensinada no mundo afora, só podem levar ao caos social. O governo opressor faz de conta que é democrático; e o povo oprimido faz de conta que está feliz. No entanto, este sintoma, na história egípcia, caracteriza o momento que antecede grandes explosões. O povo egípcio é extremamente paciente e pacifista, porém nunca foi covarde, muito menos traidor da sua história. Seria ótimo se o atual governo ficasse atento a este fato e investisse na democratização do país, pelo menos pela responsabilidade que o país deve assumir neste momento crítico na história do Oriente Médio. A ocupação militar dos EUA e o caos no Iraque e na Afeganistão, a situação desumana dos palestinos, as instabilidades no Líbano, no Sudão, e na Arábia Saudita, as pressões em cima do Irã e da Síria, representam um barril de pólvora prestes a explodir. É a responsabilidade do presidente Mubarak, que pense nesta página da história do Oriente Médio que está sendo escrita com o sangue dos povos que representam o berço das religiões e das civilizações.