JE SUIS Mulheres Muçulmanas

Sex, 06/02/2015 - 12:41

 

Em momento de conflitos, tensões sociais e outros agentes acabam emergindo no cenário público. Com a violência ocasionada em 7 de janeiro em Paris não foi diferente. Não vou aqui me estender para dizer que só compreendo liberdade de imprensa carregada de responsabilidade e direitos que os outros têm de se opor à reprodução caricata de sua imagem, isto Edward Said já escreveu de forma magistral em seu livro “Orientalismo” e o próprio Tariq Ramadan vem rebatendo veemente em suas conferências.

O que talvez tenha nos espantado, pesquisadores de Islam no Brasil, foram os vários casos de agressões à Mesquita, homens e mulheres, após o triste episódio na França. As mulheres foram o alvo mais fácil dos agressores, primeiro, porque o brasileiro, ainda erroneamente, identifica uma mulher de lenço (hijab) como se fosse árabe, então a ofensa cotidiana é: “Volte para o seu país!!!” 

Fica evidenciada uma intolerância com imigrante, seja este árabe, africano etc. Nenhuma mulher - seja ela árabe ou brasileira - que usa hijab deveria ser agredida por estar expressando a sua religiosidade. Esta violência cotidiana - digo violência, porque não se trata apenas de agressões físicas, mas também, psicológicas, verbais, jurídicas, entre outras - ganhou contornos expressivos após o atentado de janeiro. Mulheres muçulmanas no Brasil foram vítimas de pedradas e xingamentos “muçulmana maldita”, cusparada, puxões dos seus lenços, palavrões que ofendiam a sua honra e sua religião, quase vítimas de atropelamento, sem falar daquelas que buscaram emprego neste período e foram desrespeitadas por estarem usando o lenço. Esses casos ocorreram em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minhas Gerais e Espirito Santo.

A recomendação dos líderes da comunidade muçulmana no Brasil tem sido a realização do Boletim de Ocorrência. Esses casos não podem ficar silenciados, mas o registro na polícia é a primeira porta de “defesa” do direito de ser diferente. No entanto, muitas das meninas que sofreram agressões não querem falar do assunto e evitam sair de casa desacompanhadas. Os casos que venho acompanhando são todos de mulheres convertidas ao Islam e que professam a religião há muito tempo. 

Talvez o brasileiro ainda não saiba, a maioria que anda de ônibus, metrô e trem em São Paulo e outros estados que usam hijab são brasileiras convertidas.

O uso do véu é uma obrigação religiosa de submissão à vontade de Deus, é uma orientação prescrita às mulheres. Mulheres muçulmanas se sentem empoderadas quando fazem uso do lenço. “Eu não me sinto oprimida pelo uso do meu véu” me disse Nadia Hussein na entrevista para o documentário “Vozes do Islã”.

Acompanhei um caso de Ribeirão Preto, no qual a muçulmana se viu “obrigada” a retirar o seu lenço, porque se sentia perseguida, ou tinha medo de não conseguir uma promoção no emprego público. Na verdade, isto tudo revela que a nossa sociedade brasileira, embora plural, miscigenada, ainda precisa avançar muito quando se trata da religião do outro. Fiquei surpresa ao ler que uma intelectual brasileira se referia aos muçulmanos como esses estivessem vivendo na Idade Média. Fala-se de Islam sem conhecer o Islam e, pior ainda, sem conhecer os muçulmanos, ou nem sequer ter pisado em uma comunidade muçulmana. Deve-se aproveitar a indignação com a violência, que todos nós temos, sendo muçulmanos ou não, e aproveitar para nos aproximar de outros grupos a fim de que possamos conhecê-los verdadeiramente e não reproduzir os estereótipos midiáticos e de programas que apenas deseducam e deturpam a nossa realidade.

Há sem dúvida uma questão de fundo a ser observada: por que o ataque às mulheres? Por que as mulheres são os alvos mais fáceis? Não é preciso de expertise em gênero para saber que a violência contra a mulher é histórica e situada, isto independe de religião, classe social, etc. É o que vemos cotidianamente. Mas precisamos sair do lugar de vítimas (e aqui me refiro às mulheres da comunidade muçulmana) e fazer aquilo que está no plano do discurso: o empoderamento por meio do uso do véu. Se você acredita que o melhor é usar o hijab, use-o, porque temos que fazer com que as pessoas compreendam que o lenço não cobre pensamento e sim enobrece a sua fé e a sua constituição de sujeito. Não tenha medo! Cabe à sociedade, a todos nós, o respeito ao diferente, às diferenças...

 

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