O Oriente que falta em Paul Bourcier
Essa resenha é um estudo crítico do trabalho mais famoso de Paul Bourcier, a fim de situá-lo dentro de um debate historiográfico que inclua a história da dança oriental, sobretudo porque ele já a delimita fora de seu campo (no título), mas curiosamente não resiste a integrá-la em seu repertório (nos primeiros capítulos).
Estou considerando como dança oriental, no caso, as artes performáticas árabes, indianas, persas, e egipcias e todas aquelas que se inserem numa categoria não-ocidental, tacitamente definida neste trabalho pelo autor. Problematizo, por outro lado, que uma leitura histórica das danças através de imagens, esculturas etc., é insuficiente nesse caso porque, ao contrário da nossa sociedade, onde se exacerba o sentido da visão e se supervaloriza toda arte ligada a ela, a cultura oriental prioriza a audição, a sonoridade, a oralidade (BUCKHARDT, 2001).
A dança é uma expressão humana até certo ponto livre, delimitada somente conforme suas finalidades sociais e culturais (HANNA, 1979). Mas a constituição de um campo acadêmico preocupado em um referencial teórico para ela é muito recente, e está mais ligado ao processo de decodificação artística da dança para o palco do que à sua aparição enquanto fenômeno sócio-religioso ou cultural, domínio até então da antropologia, etnologia, teologia etc. A história, diferente da dança, está sujeita a uma finalidade distinta. Ela existe como uma ciência, ainda que não exata, que visa abordar e interpretar o passado. Uma série de questões envolve a sua epistemologia, isto é, a forma como se dá a construção histórica, a relação passado-presente ea própria definição do objeto de estudo, como no presente
caso, a dança.
Façamos um exercício de imaginação para entender o ofício do historiador e como se daria a construção do conhecimento histórico em relação à dança. Ao lermos um livro de história da dança, caso não sejamos da área da história, deixaremos de perceber, criticamente, como a seleção do objeto, o recorte das fontes, a periodização ea metodologia utilizada pressupõe determinada posição do autor - que excluirá, por sua vez, outras possibilidades de leitura do mesmo fenômeno. Para que os estudiosos e artistas da dança se
familiarizem com esses procedimentos históricos e cheguem à compreensão de que a história não narra o passado tal como ele aconteceu, mas ao contrário, que constitui antes uma construção desse passado, permeada por determinada visão interessada e intencional a respeito do que aborda, levantarei algumas questões que sintetizam quase que didaticamente os elementos básicos da história enquanto ciência. Ao historiador profissional poderá parecer algo banal, mas certamente será útil para o estudioso teórico da dança e também para o artista, sempre que precisem recorrer à história em seu trabalho.
A primeira coisa importante é ter em mente que o passado “não abre a sua porta” como poetizou Cecília Meireles. Isso pode soar um tanto taxativo, e um pouco nostálgico e triste, mas de fato, é impossível acessar o passado tal como ele aconteceu, sendo essa uma das questões teóricas da maior importância, inclusive em relação à percepção do próprio presente. Um mesmo fenômeno ou evento que ocorra em nosso tempo, pode ser visto e interpretado de diversos ângulos e maneiras. Quanto ao passado, adicione-se a distância temporal, a singular visão de mundo do indivíduo que deixou registrado seu
olhar sobre os acontecimentos, filtrados por uma sensibilidade e percepção distintas da nossa, e logo se perceberá o grande desafio que é o fazer histórico. Diferentes valores e costumes, diferentes objetos e
necessidades, diferentes tecnologias e ciências, diferentes formas de saber e de produção, e principalmente, diferentes relações com o espaço e com o tempo (seja de forma direta concreta, ou abstrata filosófica) nos dificultam uma leitura direta do passado, mesmo através do seu testemunho
documental em mãos.
Dessa forma, devemos considerar que qualquer passado é complexo em sua apreensão e intangível em sua totalidade. Abordamos o passado através do documento ou vestígio material que permanece graças a diversos fatores, nem todos dependentes da vontade humana. O que nos sobra não chega a ser nem
propriamente uma sombra de passado, mas um rastro. Trabalhamos nesse rastro, tentando reconstituir ou interpretar, a partir dele, uma certa idéia daquela fatia da realidade passada. E aqui, de fato, começa mais um problema: a questão não é apenas ser o fragmento ou conjunto de fontes algo que pode nos levar a muitas hipóteses, seja pelo filtro de percepções dos sujeitos da época que produziram tais registros, seja pela limitação imposta pela própria falta de registros, que ou nunca existiram a respeito
de determinado assunto, ou foram perdidos, destruídos, etc. A questão perigosa é o porquê de o historiador ser levado a pesquisar tal ou qual assunto, porque ele escolhe tal ou qual tipo de documento ou conjunto de fontes e como define o período no qual trabalhará.
Outro grande problema é o da interdisciplinaridade: a confusa apropriação dos conceitos eo empréstimo de termos sem proceder à sua discussão teórica. Como era de se esperar, entre história e dança isso ocorre com freqüência, e estende-se à antropologia e à etnologia, por serem ciências intermediárias entre elas. Por exemplo, o hábito que bailarinos, teóricos e historiadores da dança cênica ocidental têm de tomar as danças orientais como danças “étnicas” ou localizar sua origem num passado remoto fazendo referência ao seu caráter primitivo, primordial, espontâneo, sem considerar sua historicidade específica, o papel artístico intencional dos seus bailarinos-intérpretes e, sobretudo, sem questionar as apropriações, muitas vezes distorcidas, que foram feitas, por exemplo, do legado oriental ao longo da história da dança ocidental. O próprio termo “étnico” deve ser utilizado com extremo cuidado (se é que deve ser utilizado), pois traz a idéia subjacente a ele de que a etnia é a raiz da identidade dos povos, expressando por meio de danças as características essenciais de uma tradição imutável, como se não fossem sujeitas às influências culturais e transformações históricas diversas, permanente, repentinas, contínuas. Essa
noção se consolidou no surgimento da antropologia e foi intensificada na emergência das instituições folclóricas européias (ORTIZ, 1985), fazendo parte da própria origem do olhar antropológico, que surge historicamente em fins do século XIX, como uma forma dos dominadores europeus distinguirem-se
dos povos dominados, justificando-se ao delimitar uma suposta linha divisória entre civilizado (dominador) e primitivo (dominado).
Dessa perspectiva, o civilizado teria história, ao passo que o primitivo não. É como se disséssemos com “étnico” que as tradições são imutáveis ou a-históricas, enquanto somente a dança cênica tem uma história da dança – e dessa perspectiva o ballet ou a dança contemporânea são considerados apenas
dança, mas poucos se arriscam a olhá-los como uma expressão “étnica” de comunidades brancas e urbanas ocidentais. Sob esse termo também se camufla uma outra noção, ainda mais perigosa, que é a de que não há uma relação histórica entre a dança “étnica” ea dança “cênica”; a não ser, é claro
quando elas se emprestam técnicas, temas, passo etc entre si, como se isso fosse algo apenas estético, artístico e não fossem constituir, na realidade, relações de hierarquia, interdependência, influência e conflito (COLI, 2002).
Porém, a própria antropologia, sobretudo a partir do momento em que a história incorporou seus objetos e métodos ao enveredar para uma história cultural (DOSSE, 1992), compreendeu a mutabilidade da tradição, inclusive em contraste com a aparente “liberdade” da sociedade letrada. Como salienta
o historiador Jacques le Goff: “as culturas dependem dos seus meios de tradução, estando o aparecimento da literacy ligado a uma mutação profunda de uma sociedade. [...] A escrita traria maior liberdade, enquanto que a oralidade conduziria a um saber mecânico, mnemônico intangível. Ora, o
estudo da tradição num meio oral mostra que os especialistas dessa tradição podem inovar enquanto que a escritura pode, pelo contrário, apresentar um caráter "mágico" que a torna mais ou menos intocável. Não devemos pois opor uma história oral, que seria a da fidelidade e do imobilismo, a uma história escrita que seria a da maleabilidade e do perfectível. Num livro importante, Clanchy [1979], ao estudar a passagem da recordação memorizada ao documento escrito na Inglaterra medieval, pôs também em evidência que o essencial não é tanto o recurso ao escrito, como a mudança de natureza e de
função do escrito, o deslizar do escrito de técnica sagrada para prática utilitária, a conversão de uma produção escrita elitista e memorizada numa produção escrita de massa, fenômeno que só se generalizou nos países ocidentais, no século XIX, mas cujas origens remontam aos séculos XII e XIII” (1990, p.66).
Falando em letrados e na cultura escrita, outra questão espinhosa para a história da dança é a da fonte documental, isto é, como apreender a historicidade do próprio gesto de épocas anteriores ao registro
filmográfico, ou por documentos, sejam eles escritos ou não. Essa é uma questão que não é simples de responder, pois, enquanto o gesto é pouco importante, no sentido que nos interessa, para duas das três grandes correntes historiográficas ocidentais do nosso tempo - a saber, a marxista, a tradicional e nova história (como herdeira da abertura provocada pela Escola dos Annales) – ela só começa a ganhar atenção a partir desta última, pela sua aproximação com a antropologia eo interesse na cultura material.
Muito embora já tenha sido apontada pelos historiadores do século XVI que: “A história começa antes da escrita. 'Na sua forma mais primitiva", defende La Popelinière, 'a história deve procurar-se em tudo: nas canções e nas danças, nos símbolos e outras atuações mnemônicas'” [GOFF, 1990, pg 71]. Obviamente sua importância é evidente para os historiadores não-ocidentais, como Ibn Khaldun e todos os historiadores anteriores, citados e utilizados por Farmer (1929) - ainda que não se possa comparar os modos de fazer história dos árabes medievais com os nossos.
A arqueologia, como ciência histórica do não escrito, foi fundamental na ampliação desse campo de investigação, e Le Goff explicitou como isso aparece no debate entre a história tradicional (representada aqui por Fustel de Colanges) e os inovadores:
“Quero todavia referir aqui o caráter multiforme da documentação histórica. Replicando, em 1949, a Fustel de Coulanges, Lucien Febvre afirmava: "A história fez-se, sem dúvida, com documentos escritos. Quando há. Mas pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se não existirem... Faz-se com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar o seu mel, quando faltam as flores habituais: com palavras, sinais, paisagens e telhas; com formas de campo e com más ervas; com eclipses da lua e arreios; com peritagens de pedras, feitas por geólogos e análises de espadas de metal, feitas por químicos. Em suma, com tudo o que, sendo próprio do homem, dele depende, lhe serve, o exprime, torna significante a sua presença, atividade, gostos e maneiras de ser" [1949, p. 4281. Marc Bloch
tinha também declarado: "A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar-nos sobre ele" [1941-42, p. 63].” (GOFF, 1990, p.89)
Entretanto, tais inovações implicaram no surgimento de problemas em relação a construção de uma nova história a partir de novos documentos. Ainda que se refute a implicância dos historiadores, como Colanges, numa história feita somente a partir de documentos escritos, de caráter factual ou
événementièlle – isto é, a história enciclopédica, que dá nomes, datas e descreve eventos – nenhum historiador profissional pode prescindir de fontes e de perseguir a verdade ea realidade, ainda que nunca atingidas na sua totalidade, no fazer histórico. Assim, entre os antropólogos e historiadores culturais começou-se a construir ferramentas como, por exemplo, a documentação de registros etnográficos, ou etnotextos, e assim por diante.
Paul Bourcier não tem Oriente
A História da dança no Ocidente (2001) deve ser um dos trabalhos mais conhecidos e importantes na dança, por esse motivo, ele é o foco da nossa resenha crítica – entenda-se aqui crítica histórica. Vejamos a maneira de elaborar o conhecimento histórico do autor e como considera a dança oriental em seu projeto de uma história da dança ocidental. Paul Bourcier parece ter claro para si a demarcação de seu objeto: a dança cênica ocidental. Embora ele percorra diversos contextos históricos, sua obra
finaliza com um foco bem definido nesse sentido. Interessa aqui, no entanto, como ele se refere à dança oriental, que margeia esse foco. Sua obra é panorâmica e trata claramente do que podemos considerar uma história de síntese, em contraposição à história praticada por historiadores de arquivo ou de campo, que lidam diretamente com as fontes.
Creio ser importante esclarecer que uma obra de síntese pode apoiar-se em trabalhos de historiadores especialistas, cujo recorte seja mais específico. Uma história de síntese não delimita tão estritamente seu
objeto em termos de localização geográfica, sociedade e tempo eo autor dificilmente lidou diretamente com a documentação que chamamos de fonte primária – que é o documento original em si. Embora Paul Bourcier faça uma história de síntese, falta-lhe uma problematização teórica e conceitual – por exemplo, perguntar-se qual seria a relação entre dança e sociedade ou dança e política – ademais, mesmo para uma história de síntese, sua delimitação temporal é demasiado vaga, da mesma forma que a sua delimitação espacial. Mas, observemos como ele organiza, no tempo e no espaço, a sua história da dança no ocidente.
Ele inicia o trabalho situando um pouco as dificuldades a respeito de uma reconstituição histórica universal da dança, devido à dificuldade com as fontes documentais. Reserva uma parte inicial muito breve aos registros pré-históricos e um capitulo para o que ele considera “a erosão do sagrado”, onde fala de diversas danças espalhadas em tempos, sociedade e distintos lugares do Oriente Médio. Isto indica que, apesar de sua história ser declaradamente uma história da dança ocidental, ele não consegue
dissociá-la da dança oriental. O importante é entendermos porque e como. Concentremos a atenção nesses tópicos.
Ao abordar as danças pré-históricas e orientais, a tipologia documental indicada é basicamente figurativa, seja cerâmica ou pintura. Ao falar das danças gregas, indica fontes mais variadas que constituem tanto os excertos de escrituras clássicas antigas como as representações figurativas. Até aqui já temos dois problemas centrais: o recorte temporal ea escolha das fontes.
Quanto ao recorte temporal, a forma como ele dispôs a sua história evidencia o claro eurocentrismo e etnocentrismo de sua proposta: se construirmos com ele uma linha do tempo, ou cronológica, no início, lá
atrás, está a dança primitiva, sucedida das danças sagradas orientais, depois gregas (subentendidas como ocidentais) e, por fim, o desenvolvimento da dança, digamos, “dessacralizada”, artística, ocidental europeia.
Esse é o esquemão básico da leitura ocidental da história, sobretudo da história positivista: o ocidente se desenvolveu, apesar de (ou por causa de) a erosão do sagrado, avançou no tempo, atingiu seu ápice na modernidade contemporânea, tudo testemunhado por uma leitura pretensamente consciente e
desinteressada. O Oriente aparece aqui como uma etapa do passado, estático ou atrasado, desprovido de história própria. As referências ao passado antigo são estanques eo Oriente moderno não participa na história da dança ocidental, senão acidentalmente, superficialmente. Desse ponto de vista, o Oriente não produziu um conhecimento relevante sobre a dança enquanto arte, a não ser, é claro, a Grécia que, apesar de na verdade estar profundamente conectada e imbricada com diversas sociedades orientais, foi utilizada como taboa de salvação dos historiadores tradicionais europeus para filiá-la exclusivamente ao desenvolvimento histórico da cultura dos países ocidentais. Esse tipo de abordagem utilizada por Bourcier é, no mínimo rasa, e no máximo um subproduto ideológico da mentalidade imperialista europeia (HOBSBAWM, 2001; SAID, 2007).
Segundo ponto relevante é que, ao utilizar as fontes visuais, o autor recorre a uma leitura caracteristicamente ocidentalizada – privilegiar a leitura visual em detrimento de outros sentidos é a característica marcante da mentalidade cultural do Ocidente, racionalista e compartimentada. Não
que tais documentos não sejam relevantes para o estudo das danças antigas, mas seria preciso considerar que, especialmente no caso das danças orientais e gregas – que, repetimos, embora ele não inclua em seu projeto central, ele se arrisca a abordá-las como a nascente das danças ocidentais
- as formas e gestos ou técnicas, e os desenhos coreográficos fossem mais relevantes do que outros aspectos da dança, o que não é algo inteiramente verdadeiro. Ao contrário, o oralidade é a característica marcante das sociedades antigas e tradicionais, de modo que a relação estreita entre música e dança é mais intensa, o que, para uma história da dança, implica buscar outras fontes e métodos de pesquisa alternativos.
A história é sempre um resgate do passado, feito por seres socialmente constituídos e situados, como definiu o historiador Lucien Goldman (1979). Assim, todo posicionamento ideológico está implícito no fazer histórico e aparece explicita ou implicitamente nele. Devemos ter em mente que a forma como os autores da história da dança encaram a relação entre dança oriental e ocidental está permeada pelo seu projeto político de sociedade; o quanto e em que medida dedica espaço à dança oriental revelam a sua posição em relação ao Oriente Médio em seu próprio tempo histórico. Digo isso para explicitar que o trabalho de Bourcier foi produzido num contexto histórico onde o resultado dos processos ideológicos, físicos, econômicos e políticos da dominação imperialista dos países europeus, notadamente a França em
relação aos países asiáticos e africanos, ainda é fortíssimo. Na primeira metade do século XX a Africa ea Ásia borbulham de países recém-saídos do colonialismo imperialista, buscando se afirmar politicamente num mundo dilacerado pela hegemonia política e militar europeia. Nesse contexto, dificilmente o autor francês dedicaria um espaço considerável à influência da dança oriental sobre a ocidental, a não ser assim, remotamente, pois é mais lógico que uma exaltação da segunda prevaleça dentro do seu projeto
político implícito, ou seja, aproveitar o fato de que o ballet, embora nascido na Itália, teve um forte desenvolvimento na França, dando-lhe um locus privilegiado para a construção de uma história da dança cênica ocidental. Esse é projeto político implícito que deve ser enxergado por trás das aparentes verdades percorridas pelo autor: ou seja, a vinculação de seu país no processo de emancipação quase que civilizatória de uma arte universal. Mas para autores não ocidentais, ou para antropólogos críticos,
como Shay (2002) e Geertz(1999), é evidente que o ballet é mais uma expressão cultural tão particular quanto qualquer outra, que só tornou-se universal por meio da expansão e dominação capitalista de nações que o adotaram como capital cultural (SAID, 2007). Ainda mais se observarmos esse
fenômeno sob o conceito de Indústria Cultural proposto por Adorno (2002)... A dança contemporânea tampouco foge à regra.
É preciso considerar ademais que Bourcier realiza uma história nesse caso, praticamente positivista. Organizou os elementos dentro de uma macrocronologia convencional, centrou-se na recuperação descritiva do passado a partir dos documentos, delimitados por uma tipologia iconográfica
restrita e restritiva, desenvolveu uma história linear e evolutiva, onde a dança é o sujeito abstrato de uma sucessão de sociedades históricas estáticas, de maneira que sequer explorou as suas transformações
inter-relacionadas, como vemos, por exemplo, no trabalho de Roger Garaudy (1980).
Paul Bourcier é uma referência indispensável: ele teve o mérito de marcar a dança como objeto efetivo da história, e definir-lhe aí um âmbito próprio, que ele designou de história do movimento. E evidentemente, existem limites que também se impõe à consciência do historiador, de forma que não se espera que ele pudesse abarcar tudo, ou se aprofundar em pontos que, como vimos, provavelmente não eram do seu interesse central. Buscamos, entretanto, mostrar que ele deve ser lido criticamente. Conforme vimos, no
tocante à história da dança oriental seu trabalho cria um problema, pois, ao delimitar seu objeto como história da dança ocidental e ao mesmo tempo incluir a dança oriental em sua periodização como elemento de origem, provoca a necessária discussão a respeito desse posicionamento cronológico
e, principalmente, da verdadeira relação entre dança ocidental e oriental.
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