Quem foi Edward Said
Nossa história cultural jamais conheceu um gênio comparável a Edward Said, tão múltiplo, tão singular
Mahmoud Darwish*
Le monde Diplomatique NOV/2003
Edward Said tornou-se um dos pais simbólicos da nova Palestina
Não consigo fazer minha despedida de Edward Said, pois sua vida continua presente em todos nós e no mundo.
Nossa consciência e nosso embaixador no mundo, Edward Said, que jamais se entregou na luta de resistência à nova ordem mundial em defesa da justiça, do humano e na partilha das civilizações e das culturas, entregou-se à morte, num combate longo e absurdo.
Foi heróico durante os doze anos de seu corpo-a-corpo com a doença. Foi heróico em sua permanente renovação de criatividade na literatura, na música, na crônica da vontade humanista, na busca vital do sentido e da essência, no convite do intelectual ao rigor.
Pergunte a qualquer palestino qual a pessoa que é seu maior motivo de orgulho e ele responderá espontaneamente: Edward Said. Nossa história cultural jamais conheceu um gênio comparável a Edward Said, tão múltiplo, tão singular. Hoje, e até nova ordem, ele continuará sendo o pioneiro que levou o nome de sua terra do domínio da política para o da consciência cultural universal.
Nossa perda é partilhada, mas nossas lágrimas são únicas, pois Said levou a Palestina ao coração do mundo. Se foi a velha Palestina que lhe deu vida, por sua fidelidade aos valores da justiça, tão ultrajados em sua terra, por sua defesa do direito dos filhos da Palestina à vida e à liberdade, Edward Said tornou-se um dos pais simbólicos da nova Palestina.
Sua abordagem do conflito era cultural e ética e ele defendia o direito sagrado de seus irmãos à resistência, que também considerava um dever nacional e moral. Edward Said era um todo indissociável. Encontravam-se nele, sem nunca se misturarem, o homem, o crítico, o pensador, o músico e o político.
Dono de uma personalidade carismática, era mundialmente conhecido e reconhecido como único, de tão raro que é ver reunidos o intelectual e a estrela, o homem elegante e o eloqüente, o profundo, o feroz, o meigo, o esteta da vida e da língua. Neste difícil adeus, rebelde à sua ausência, o universo converge para a Palestina num instante raro: desconhecemos os nomes dos pais da vítima, pois,
de agora em diante, sua família é o mundo. Nossa perda é partilhada, mas nossas lágrimas são únicas, pois Edward Said levou a Palestina ao coração do mundo e o mundo ao coração da Palestina.
(Trad.: Jô Amado; traduzido do árabe para o francês por Elias Sanbar)