Comentário do cientista político José Farhat

por Daniel Barenboim

Tive freqüentemente a ocasião de afirmar que o destino dos povos palestino e israelense eram inextricavelmente ligados e que não havia solução militar a seu conflito. Ao tomar hoje a nacionalidade palestina, posso dar corpo a estas convicções. Quando eles deixaram a Argentina durante os anos 1980 para emigrar para Israel, meus pais esperavam evitar que eu crescesse numa minoria – a minoria judia. Eles queriam me dar a ocasião de viver no seio de uma maioria – uma maioria judia. Esta ambição teve uma conseqüência trágica para a minha geração. Alimentada de valores humanistas dessa sociedade, ela ignorou a existência, no seio de Israel de uma minoria: uma minoria não judia a qual, antes da criação do Estado de Israel em 1948, representava a maioria na Palestina.

O conflito israelo-palestino se caracteriza desde sempre pela incapacidade de um entender a voz do outro. Se a idéia judia européia que fez nascer o Estado de Israel deva ainda ter uma ressonância no futuro, ela deve fazer coro com a identidade palestina. É doravante impossível fechar os olhos à evolução demográfica: os palestinos constituem uma minoria em Israel, porém uma minoria em rápido crescimento, cuja voz exige mais que nunca ser ouvida. Eles representam cerca de 22% da população israelense, um percentual jamais igualado por qualquer minoria judia em qualquer país. O número de palestinos em Israel e nos territórios ocupados ultrapassa já a população judia.

Israel deve enfrentar três problemas ao mesmo tempo: aquele da identidade moderna e democrática do Estado judeu, o da identidade palestina no interior de Israel e o da criação de um Estado palestino fora de Israel. Com países como a Jordânia e o Egito, foi possível instaurar um tipo de “paz fria” que não põe em questão a existência de Israel como Estado judeu.

O problema dos palestinos face a Israel é em compensação muito mais delicado de resolver, tanto sobre o plano teórico quanto sobre o plano prático. A solução implicaria em que Israel reconheça que esta região não era vazia e inabitada, que não era “uma terra sem povo”, segundo uma concepção difundida à época de sua criação. Quanto aos palestinos, é necessária a aceitação do fato de que Israel é um Estado judeu e que lá está para durar. Os israelenses devem, no entanto, estar dispostos a integrar uma minoria palestina, prontos para rever alguns princípios do Estado de Israel; eles devem também entender a necessidade e a legitimidade de um Estado palestino ao lado de Israel. Não somente não há alternativa, não há varinha de condão que faça desaparecer a presença dos palestinos, mas esta integração é uma condição indispensável – moral, social e politicamente – à própria sobrevivência de Israel.

Por mais longo tempo que a ocupação se prolongue e que o descontentamento palestino continue sem resposta, será cada vez mais difícil encontrar um terreno de entendimento mínimo. A história contemporânea do Oriente Médio nos demonstrou com bastante freqüência que as ocasiões perdidas de reconciliação tiveram conseqüências trágicas para as duas partes.

De meu lado, ao aceitar a nacionalidade palestina, assumo plenamente o destino deste povo e como israelense compartilho de fato. Ser cidadão de Israel é estender a mão ao povo palestino e fazer, no mínimo, o esforço de compreender o que pode ter significado para ele a criação do Estado de Israel. O 15 de maio de 1948, dia da independência para os judeus, representa Al Nakba, a Catástrofe, para os palestinos. O cidadão de Israel deve se perguntar sobre o que os judeus, supostamente um povo de intelectuais e sábios, fizeram para compartilhar sua herança cultural com os palestinos. O cidadão de Israel deve se perguntar porque os palestinos foram condenados a viver em pardieiros e submetidos a normas educativas e sanitárias degradadas.

E não importa qual território ocupado, é o ocupante que é o responsável pela qualidade de vida do ocupado; no caso dos palestinos, os governos israelenses que se sucederam ao curso dos quarenta últimos anos lamentavelmente falharam em sua tarefa. Os palestinos devem certamente continuar a resistir à ocupação e a lutar contra as tentativas de negação de seus direitos e necessidades fundamentais. Mas, em seu próprio interesse, esta resistência não deve se expressar pela violência, que só pode desservir à causa do povo palestino. De sua parte, os israelenses devem se mostrar igualmente preocupados com a necessidade e com os direitos do povo palestino tanto quanto com os seus. Nós que repartimos uma mesma terra e um mesmo destino deveríamos, todos, possuir uma dupla nacionalidade.