Para ativista, na Palestina aliança cultural é caminho para a paz
Nesta entrevista, ele fala sobre o movimento e defende a criação de um único estado democrático israelo-palestino. E, como descendente de sírios, fala da influência da cultura brasileira – com sangue árabe – em seu trabalho. Icarabe: Fale sobre o Movimento Portas Abertas. Rafic Farah: Nesse movimento vejo o mais requintado humanismo, que unifica todas as culturas. O humanismo é a grande possibilidade de contaminarmos os dois povos – palestinos e israelenses – e eles verem que existe muito mais vantagem na união, porque todos querem felicidade. Um cidadão que mora em Tel-Aviv (capital de Israel) quer viver em paz sem nenhuma ameaça, assim como um palestino, que quer ter seu território desocupado. O Movimento Portas Abertas quer, para início de conversa, essa desocupação. Icarabe: Quem participa desse movimento e como fortalecê-lo? Farah: São intelectuais e artistas. Precisamos de dinheiro para fazer um site, promover mais exposições de artistas árabes e israelenses, tomar iniciativas de ordem cultural para mostrar que os dois povos se entendem e que é possível a paz. Essas iniciativas são muito caras e não encontram repercussão na colônia árabe, pois essa está distante. Já os judeus são mais unidos e podem efetivamente dar apoio material concreto em prol da paz, em prol da retirada dos exércitos dos territórios palestinos. Icarabe: Você acredita na proposta de dois Estados para dois povos? Farah: A resolução da ONU era meio a meio ou um estado democrático. Eu não sou nem por ter dois estados, sou por um único, dividido por judeus e palestinos, com as duas culturas ali. Não há uma questão racial entre eles, mas territorial. Os judeus têm que enxergar isso, o que ocorre hoje é um fascismo às avessas, de repente o povo perseguido vira perseguidor. Icarabe: Como vê a retirada dos colonos de Gaza nesse contexto? Farah: Agora que os judeus se retiram, depois de tanta dor, é o caso de se perguntarem: por que foram enganados por sucessivos políticos de direita, interesseiros, que os usaram para oprimir um outro povo e, agora que ficou demonstrado que a paz seria impossível sem a devolução desses territórios, arrancam as pessoas do lar em que haviam se apegado? O grave é que as autoridades israelenses já sabiam disso e arriscaram a vida de seu próprio povo. Insisto que se lá houvesse uma democracia os dois povos conviveriam em um único Estado. O mundo assistiu à triste demolição das casas dos colonos. Deixam a terra arrasada. Por quê? O governo israelense, quando incentivou a ocupação dessas terras, expulsou os habitantes nativos. Causou indignação, desespero e ira. Isso não é terror? Ou não induz ao terror? As autoridades israelenses manipularam a sorte de seu próprio povo. Onde está a tradição humanista da cultura judaica? Está onde sempre esteve. Conheci dois grandes humanistas pessoalmente. São realmente grandes de alma. A questão de todos os povos é ouvirem seus pensadores. Eles existem para combater o fanatismo, ponderar, perdoar, compreender o outro. Essa compreensão da dor do outro é o que se esperava de um povo como o judeu – e de outros que passaram por holocaustos similares. Como todas as nações do mundo fizeram com os judeus ao aprovar a criação de Israel. Quem cuidará do drama dos palestinos? O perdão é a única saída para ambos os povos. É preciso pensar nessa utopia, o grande e generoso exemplo, a mudança de todos os paradigmas, de todas as expectativas, alteraria, de verdade, a história da humanidade, para o bem comum. A paz é possível assim. Icarabe: E como chegar à paz? Farah: Tem que haver uma aliança de fato entre os dois povos, com cooperação econômica e também cultural. Nesse sentido, a arte é o que melhor pode expressar essa união. Agora, depende de negociação, de ver a parte que sofreu a perda – e, no caso, hoje, os dois lados estão perdendo muito, um não consegue viver com toda a riqueza que tem e o outro está jogado na pobreza. E a Palestina era o lugar mais promissor, mais rico, mais culto, mais ordenado do Oriente Médio, um país lindo antes de 1948 e virou essa catástrofe. Na situação atual, alimenta-se cada vez mais o terrorismo dos desesperados. É preciso acordar. Repito: não vai haver paz sem perdão, os judeus têm que aprender a perdoar, os palestinos estão dispostos a isso desde que lhes devolvam sua terra. Icarabe: No seu trabalho como designer, há algum tipo de influência árabe? Farah: Não existe uma influência árabe no meu trabalho, mas brasileira. E eu considero este o maior país árabe do Ocidente. Isso porque, com a colonização portuguesa, os mouros vieram para o Brasil, misturaram-se com o sangue indígena brasileiro e deram no que a cultura brasileira é hoje. Olhe a cara dos nordestinos e desse mineiro que morreu em Londres, o Jean Charles de Menezes. Está claro que a polícia inglesa o confundiu com um árabe e todo brasileiro tem essa cara de árabe. Olhe para o Jorge Amado, o Dorival Caimmy. Isso é quase o povo árabe dentro do nosso sangue. O mouro desapareceu no século XV como instituição, mas como cultura está presente hoje no Brasil. Outra coisa que eu acho interessante na imigração árabe ao nosso país é que eles se misturaram. Quantos e quantos não têm em todos esses rincões, esses sertões com nomes brasileiros e a cultura árabe no cerne de sua alma? É lógico que quando eu era pequeno ouvia muita música árabe, meu pai tinha um conjunto, mas tocava também chorinho.