ICArabe participa do Festival VivAmérica na Espanha
Entre os dias 4 e 8 de outubro, o ICArabe, representado pelo seu presidente, Michel Sleiman, participou do ciclo Árabes do Brasil, promovido pela Casa Árabe da Espanha em parceria com a Casa da América, sediadas em Madri. A atividade integrou o Festival VivAmérica, realizado todos os anos pela segunda instituição. A ideia principal do ciclo foi levar ao público madrilenho a diversidade e importância das comunidades árabes na trajetória recente do Brasil. Além do Instituto da Cultura Árabe, o festival contou com o apoio da Universidade de São Paulo, da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, da Câmara de Comércio Brasil-Espanha e do Experimentaclub.
“Ficamos muito felizes não apenas de estar no evento mas também de participarmos de uma conversa com o público que se deu após a exibição do filme ‘Os caminhos do mascate’, dirigido pelo espanhol José Luis Mejias, que passou um mês no Brasil entrevistando descendentes de árabes”, avalia Michel, também presente no documentário. Segundo ele, a Casa Árabe disponibilzou a produção para que seja exibida pelo ICArabe no Brasil. “Certamente ela fará parte de nossas mostras de cinema do próximo ano”, garantiu ele.
Além da exibição do documentário, a programação do ciclo incluiu desde palestras sobre a exploração de novos vínculos comercias triangulares (Brasil, Espanha e países árabes), até sobre literatura, passando pelos experimentos multiculturais da música eletrônica no Brasil e no Líbano. Houve ainda a exibição de quatro longas-metragens que compuseram o ciclo de cinema “Árabes na América”.
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Michel explicou que o filme de Mejias trabalhou a figura do mascate em uma perpectiva histórica e mítica, a partir de depoimentos de descendentes de sírios e libaneses, sociólogos e histriadores, enfocando igualmente a imagem que ficou no imaginário brasileiro do árabe desbravador, que levou novidades para lugares distantes. Durante a conversa com o público, Michel procurou abordar a percepção do imigrante árabe na literatura brasileira. Para isso, leu o poema “Turcos”, de Carlos Drummond de Andrade, escrito na década de 60. “ O texto coloca um professor conversando com um aluno e explicando que os turcos são na verdade sírios oprimidos pelos turcos”, explica Michel. Depois ele leu o poema “Turcos da Calógeras”, de Raquel Naveira (do livro “Sob os Cedros do Senhor). “ A literatura brasileira ainda não ouviu do próprio árabe quem ele é, como foi sua vida no Líbano e como ele se sentia em relação à dominação turca”, colocou Michel, ressaltando que esses ainda são pontos que precisam ser explorados. (veja abaixo os poemas na íntegra recitados e comentados por Michel).
A fala de Michel foi seguida de perguntas do público e, juntamente com a exibição do documentário de Mejias, despertou questões sobre a possibilidade de, na Espanha, ocorrer uma integração do imigrante árabe semelhante à que se viu no Brasil. “Acredito que não. A formação social brasileira é muito diferente da espanhola e a mestiçagem no Brasil ocorreu de forma menos ‘conflitante' de como se deu na Europa, não temos em nossa história momentos tensos com o mundo islâmico como teve e ainda tem a Espanha. Por outro lado a integração no Brasil apagou muito das marcas que o imigrante trouxe do mundo árabe, o que já não se vê no continente europeu “, colocou ele.
Poemas
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Os turcos
Os turcos nasceram para vender
bugigangas coloridas em canastras
ambulantes.
Têm bigodes pontudos, caras
de couro curtido,
braços tatuados de estrelas.
Se abrem a canastra, quem resiste
ao impulso de compra?
É barato! Barato! Compra logo!
Paga depois! Mas compra!
A cachaça, a geléia, o trescalante
fumo de rolo: para cada um
o seu prazer. Os turcos jogam cartas
com alarido. A língua cifrada
cria um mundo-problema, em nosso mundo
como um punhal cravado.
Entendê-los, quem pode? [...]
Os turcos,
meu professor corrige: Os turcos
não são turcos. São sírios oprimidos
pelos turcos cruéis. Mas Jorge Turco
aí está respondendo pelo nome, e turcos todos são, nesse
retrato
tirado para sempre... Ou são mineiros
de tanto conviver, vender, trocar e ser
em Minas: a balança
no balcão, e na canastra aberta
o espelho, o perfume, o bracelete, a seda,
a visão de Paris por uns poucos mil-réis?
Los Turcos
Los turcos han nacido para vender
trastos coloridos en canastas
ambulantes.
Llevan bigotes puntiagudos, caras
de cuero curtido,
brazos tatuados de estrellas.
Si abren la canasta, ¿quién se resiste
al impulso de compra?
Es barato! Barato! Cómprate ya!
Paga después! Pero compra!
El ron, la mermelada, el exhalante
rollo de tabaco: a cada cual
su placer. Los turcos juegan a las cartas
con alarido. La lengua codificada
crea un mundo-problema, en nuestro mundo
como un puñal clavado.
Entenderlos, ¿quién lo puede? [...]
Los turcos,
Mi profesor me lo corrige: Los turcos
no son turcos. Son sirios oprimidos
por turcos crueles. Pero Jorge Turco
lo ves responder por el nombre, y turcos lo son todos, en ese
retrato
hecho para siempre... ¿O serían “mineiros”
por convivir tanto, por vender, cambiar y ser
en Minas: la balanza
en el mostrador, y en la canasta abierta
el espejo, el perfume, el brazalete, la seda,
la visión de París por unos pocos miles de reis?
RAQUEL NAVEIRA (DO LIVRO “SOB OS CEDROS DO SENHOR)
Turcos da Calógeras
Na parte antiga da cidade,
À beira dos trilhos da Noroeste,
Estendem-se as lojas dos turcos.
São lojas simples,
De prateleiras toscas,
Grandes tabuleiros
Onde a mercadoria se armazena:
Mantas,
Roupas,
Chinelos,
Um mar de objetos
Para calçar e vestir nossa indigência
E, às vezes, atiçar nossa vaidade,
Nosso sonho,
Como lenço de seda fina.
Há poeira nessas lojas!
Umapoeira de séculos,
Camadas de nostalgia;
Malas que não se fecham,
Que vieram em lombos de burro,
Porões de navio;
Um tilintar de moedas
Em antigas caixas registradoras.
O chão de ladrilhos foscos
Parece ter sido pisado
Por pés que percorreram caminhos,
Estradas e desertos.
Sentados na calçada,
Mulheres de negro,
Homens peludos,
Crianças de olhso fundos,
Falam no seu idioma forte
De quem conhece de perto
O luto,
O conflito,
A morte,
Mas foge
E se enraíza na vida.
Turcos de la Calógeras
En la ciudad vieja,
Al borde de los carriles de la Noroeste
Se extienden las tiendas de los turcos.
Son tiendas simples,
De estantes rudas,
Grandes tableros
En las que se almacena la mercancía:
Mantas,
Ropas,
Pantuflas,
Un mar de objetos
Para poner y vestir nuestra indigencia
Y a veces, atizar nuestra vanidad
Nuestro sueño
como un pañuelo de seda fina.
Hay polvo en esas tiendas!
Un polvo de siglos,
Capas de nostalgia;
Maletas que no se cierran,
Que vinieron a lomo de mula,
En bodegas de navío;
Un tintineo de monedas
En antiguas cajas registradoras.
El piso de baldosas mates
Parece haber sido pisado
Por pies que han recorrido caminos
Carreteras y desiertos.
Sentados en la acera,
Mujeres de negro,
Hombres velludos,
Niños de ojos hondos,
Hablan en su idioma fuerte
De quienes conocen de cerca
El luto,
El conflicto,
La muerte
Pero se huyen
E hincan raíces en la vida.