Quando os árabes chegaram ao Brasil?
Ninguém sabe exatamente. O que se sabe com certeza é que existem, sim registros de árabes na tripulação de Cabral, em 1500, além da presença árabe durante o período colonial no Brasil. Muitos ficaram quase no anonimato, enquanto outros marcariam sua história no decorrer do tempo, tal como o gramático Manuel Said Ali, nascido em Petrópolis, no Rio de janeiro em 1861, que era filho de Said Ali, árabe que faleceu dois anos depois do nascimento desse filho. Uma prova contundente de que já habitava o Brasil antes de 1861. Recentemente foi publicada a tradução do livro 'Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso: estudo de um relato de viagem bagdali', escrito pelo imã Abdurrahmán Al-Baghdádi, árabe nascido em Bagdá, que viveu no Brasil de 1865 a 1868, assim como tantos outros, particularmente, a partir de 1880, nove anos depois da viagem de Dom Pedro II ao Oriente, em 1871 ao Egito e em 1876 à Siria, Líbano, Palestina e Egito, e que deu origem à grande imigração dos árabes para o Brasil. Provavelmente por causa da divulgação feita com a passagem do Imperador pelo Levante.
Desta forma, a imigração árabe – libanesa, síria, palestina... – ao Brasil, ultrapassa facilmente mais de quatro séculos. Como historiador e pesquisador na área da imigração libanesa para o Brasil, e com livros e pesquisas publicados sobre este assunto, acredito que comemorar apenas os 130 anos da chegada dos árabes no país significa diminuir a importância da contribuição desse povo no desenvolvimento da nação brasileira e resvalar para um erro histórico sem precedência, porque deixa de considerar os que chegaram antes de 1880, os pioneiros que formariam a base para a grande imigração.
A Associação Cultural Brasil-Líbano (ACBL) foi a primeira a comemorar os 125 anos da imigração libanesa no Brasil em 2005, evento que contou com presença do presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, que bem lembrou naquela ocasião que, provavelmente, os libaneses já estavam aqui muitos anos antes do início oficial da imigração, em 1880. "Não sei se é só isso, se não tinha libanês infiltrado no navio de Cabral quando ele chegou aqui", disse o presidente.
A ACBL neste ano, em abril, comemora o acontecimento, dando ênfase em seu logo para esta questão e colocando o sinal de “+130 anos da imigração libanesa no Brasil”, o que faz jus aos primeiros imigrantes árabes – libaneses, palestinos, sírios...- que ficaram no anonimato, mas cujo dinamismo resultou na grande coletividade árabe contemporânea, da qual os libaneses, segundo estimativas, formam o maior contingente. Esta coletividade faz parte, agora, da sociedade brasileira. Este fato pode ser facilmente comprovado quando seus descendentes dizem com orgulho e o coração aberto, “somos brasileiros de origem libanesa. Palestina, síria...” Portanto, não fixar datas precisas, é respeitar o pioneirismo de um povo forte e corajoso que aqui chegou como imigrante voluntário, sem ter um contrato de governo nas mãos que lhe assegurasse trabalho, alimentação e outros benefícios, como no caso dos italianos, alemães, japoneses..., estes sim, são conscientes de uma data de chegada precisa e sabem até mesmo o nome do navio que os transportaram.
Os árabes chegaram individualmente e apesar de não gostarem do passaporte turco, por se tratar de seus opressores na época, foi graças a ele que desembarcaram no Brasil e puderam livremente percorrer todo o território brasileiro, diferente de muitas colônias de imigrantes europeus que ficaram confinados às fazendas de café. Desse modo, o imigrante árabe foi uma ponte entre a cidade e o interior brasileiro, entre a casa grande e o casebre, foi o que fez intercâmbios de mercadorias e costumes em todo Brasil, de norte a sul, o gerador de um novo modelo de comércio para o Brasil. Onde, neste país, não se conhece o kibe, a esfiha, a prática do crediário ou do comércio feito “no corpo a corpo”? Esta foi e continua sendo – repito – do ponto de vista histórico, a grande contribuição dos árabes no Brasil: ser um novo elo entre as regiões brasileiras, gerando um novo estilo de vida e de comércio em todos os recantos deste imenso país. Por isso, compartilho e acho correto comemorar “+130 anos”. Ao contrário, restringir esta data há exatos 130 anos, é restringir também a grande história e a saga dos árabes no Brasil.