Palestina no Oscar: muitos significados
Por Dolores Guerra
“Omar”, do diretor palestino Hany Abu-Assad, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro no último final de semana. É a segunda vez que o diretor é indicado ao prêmio. A Palestina também esteve representada no ano passado, com a indicação do documentário “5 Broken Cameras” (Emad Burnat, 2011). Se por um lado, a nomeação é um reflexo da resistência desse povo, por outro, também é fruto de uma nova e perigosa conjuntura política que quer dar como encerrada a causa palestina.
Apesar do apartheid, ainda existe arte
A história nos traz o clima das brigadas de resistência que eram muito comuns durante a segunda intifada (levante, em árabe). Após terem sido dedurados, três amigos brigadistas são perseguidos pela polícia israelense, resultando na prisão de um deles. Na cadeia, Omar é chantageado para se tornar um colaborador da polícia, o que o faz arriscar ser um agente duplo. Já em liberdade, Omar precisa descobrir quem é o delator em sua organização para provar para seu povo e sua noiva que ele não é um traidor. Nadia (Leem Lubany), a noiva de Omar, foge do estereótipo de donzela em perigo que geralmente é reservado às mulheres em tramas policiais. Ela integra uma sociedade combativa, cujas contradições são típicas de qualquer povo inserido em uma conjuntura patriarcal e de classes. Essa obra é uma das evidências de que apesar de toda a opressão, o povo palestino continua produzindo conhecimento e cultura, resistindo a toda limpeza étnica e segregação.
Para além do mote político, o filme cumpre seu papel artístico. O próprio diretor o considera o melhor de sua carreira, pois sente que tudo se encaixa, e não há momentos fracos. Trata-se de um filme ágil e envolvente, com um roteiro muito bem amarrado, fotografia e montagem bem realizadas e um bom elenco. Como diz Waleed Zuaiter, intérprete do policial israelense, esse é o tipo de filme que [devido à qualidade e universalidade] sobreviverá mesmo com o fim da ocupação sionista.
Reconhecimento X invisibilidade: por que estão incluindo a Palestina?
É importante frisar que nem sempre foi fácil emplacar um filme palestino na seleção para o Oscar. A academia já chegou a excluir o filme Divine Intervention (Elia Suleiman, 2002) da lista de indicados sob a alegação de a Palestina não ser um estado reconhecido. O posicionamento dos organizadores do Oscar foi questionado, já que filmes de países em situação parecida (Hong Kong, Taiwan e Porto Rico) não tinham recebido o mesmo tratamento. A campanha surtiu efeito: em 2005 e 2013, dois filmes palestinos concorreram ao Oscar, de melhor filme estrangeiro (Paradise Now) e melhor documentário (5 Broken Cameras).
Apesar de a resistência palestina ter derrubado, por exemplo, o Plano Prawer (que visava à expulsão massiva de beduínos palestinos de suas terras originais) e a campanha de BDS (boicote, desinvestimento e sanções a Israel) ter conquistado enormes vitórias, esse não é o único motivo da visibilidade da Palestina no último período. Parece progressiva a postura do Google de renomear sua página em Gaza e Cisjordânia para “Google- Territórios Palestinos”, ou ainda, que a Palestina tenha ganho uma cadeira de “estado observador” na ONU (Organização das Nações Unidas). Isso parece progressivo, mas não é. São os efeitos de novas rodadas de negociação, apelidadas de “Novo Oslo”, que pretendem a formalização de “dois estados”. Primeiramente, a proposta de dois estados não é solução, já que milhares de famílias que perderam suas casas nas massivas expulsões em 1948 não poderiam retornar. Em segundo lugar, é o aprofundamento do discurso de que existe um estado israelense e um proto-estado palestino, que só precisa de auxílio para se estabilizar. O que na prática existe é um único estado com dois sistemas jurídicos diferentes: civil, para os cidadãos judeus, e militar, para os árabes. Israel controla o que é hoje considerado seu território e, pelas últimas seis décadas, tem avançado ostensivamente na implantação de colônias dentro da Cisjordânia, além de sua polícia ter livre acesso a esse território e controlar as fronteiras. Essa é uma tentativa engenhosa de se propagar a ideia de que a questão palestina acabou, minando toda a rede de solidariedade que a Palestina montou após todos esses anos e legitimando a situação atual, que infringe inúmeras leis internacionais e de direitos humanos.
Governo brasileiro cada vez mais próximo de Israel
Na contramão do pedido da sociedade civil palestina de BDS a Israel, prática fundamental para acabar com o apartheid sul-africano, o governo brasileiro tem estreitado suas relações com Israel. As parcerias são as mais diversas, desde acordos com empresas de água até compra de armamentos e treinamento policial. Empresas privadas e grandes universidades também têm assinado convênios com conglomerados e universidades israelenses.
No último congresso da Anel (Assembleia Nacional dos Estudantes-Livre) foi aprovada a adesão de nossa entidade ao BDS. O ano de 2014 não poderia ser mais propício ao lançamento de nossas campanhas, já que grande parte da segurança para garantir a Copa do Mundo será feita por empresas israelenses ou com tecnologia dali proveniente. Por isso, chamamos todos e todas à Assembleia Nacional que ocorrerá no dia 21 de março, em São Paulo!
Confira o trailer legendado:
https://www.youtube.com/watch?v=WJn7vCy9M6Y
Publicado originalmente em www.anelonline.com