Especial Dia Nacional da Comunidade Árabe: em meio a mudanças, região da rua 25 de Março, em São Paulo, segue com tradição árabe

Qui, 23/03/2017 - 18:57
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Entrada de chineses e coreanos no comércio é relatada, mas segue presença árabe com os restaurantes, lojas e mercado imobiliário.

Era o final do século XIX, em meados de 1870 e 1880, quando árabes – principalmente sírios e libaneses – se mudavam para o Brasil após o estímulo dado à imigração pelo então imperador brasileiro Dom Pedro II, em viagem ao Oriente Médio. Passado mais de um século, com mudanças econômicas e a entrada no comércio de chineses e coreanos, a região da Rua 25 de Março segue sendo um local de tradição árabe em São Paulo, como afirmam especialistas e comerciantes ouvidos pelo Portal ICArabe.

“Essa população sírio-libanesa acabou preenchendo uma atividade que estava carente no Brasil, que era o comércio. Não havia colônias de imigrantes o suficiente para atuar como intermediários entre a compra e a venda de mercadorias”, afirma o diretor cultural do ICArabe Arthur Jafet. Ele explica que o período trata da primeira leva de imigração árabe, que foi seguida pela década de 1920 (por conta da fome no Oriente Médio durante a I Guerra Mundial) e a década de 1970 (com a guerra civil no Líbano). A atual crise de refugiados, devido à guerra civil na Síria, também poderia ser chamada de uma quarta fase, frisa Jafet.

De acordo com diretor do ICArabe, muitos sírios e libaneses que passaram pelos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, na primeira leva de imigração, vieram para São Paulo com o objetivo de se instalar na região da 25 de Março, na qual já havia o comércio atacadista dominado por portugueses e italianos. “Os sírios e libaneses instalaram novos métodos de comércio e aí foram prosperando. Instalavam também suas residências, muitas em cima das lojas que alugavam e, depois, passaram a comprar”, afirma.

As gerações descendentes desta primeira leva imigratória se inseriram em ramos como a medicina, a engenharia e o direito, mas o comércio na região foi dominado pelo povo árabe, de modo a se espalhar para outras áreas da cidade, como a região do Brás. A presença árabe na região deu origem ao Dia da Imigração Árabe, comemorado no próximo sábado (25) e também já rendeu concurso de cinema sobre o tema, promovido pelo ICArabe em parceria com a Câmara de Comércio Árabe Brasileira (saiba mais aqui).

Números e relatos

Contudo, os árabes não são hoje mais o único povo que domina o comércio da 25 de Março. De acordo com pesquisa realizada para a dissertação de mestrado “Pelos caminhos de São Paulo: a trajetória dos sírios e libaneses na cidade”, defendida na USP (Universidade de São Paulo) em 2013, de 621 casas comerciais na 25 de Março e adjacências, 12,65% pertencem a libaneses, 7,46% a sírios, 1,26% a sírio-libaneses, 2,07% de armênios (que passaram pelo Líbano e Síria antes de chegarem ao Brasil) e 0,62% a egípcios, grupo que começou a se estabelecer a região depois de 2008.

O número é menor que os 17,21% de lojas pertencentes a chineses e 9,54% a coreanos, que passaram a praticar o comércio na região nos últimos anos. De acordo com a autora do estudo e mestre em Estudos Árabes Juliana Mouawad, o domínio dos árabes ainda segue presente, principalmente no mercado imobiliário. “A gente teve uma mudança, comparada com o início do século, no percentual do número de estabelecimentos e na ocupação. Teve uma diversificação das etnias mas, por outro lado, fomos percebendo uma permanência nos imóveis”, afirma. “Como o ponto na 25 de março é muito valorizado, dificilmente uma família árabe que tinha um imóvel na região vai se desfazer dele. Os chineses e coreanos são inquilinos”, analisa.

Mauricio Mouzayek, 39, é um dos proprietários da Casa Árabe, situada na rua Basilio Jafet (adjacente à rua 25 de março) e responsável por vender narguilés, roupas e acessórios para dança do ventre.

A loja foi aberta na década de 1960 por seu tio, que veio da Síria nos anos 50 para o Brasil. Seu pai, após também imigrar, veio trabalhar na loja do irmão e conheceu a mãe de Maurício, libanesa, em São Paulo.

“Já foi muito mais. Hoje diversificou muito. Os pontos grandes, que antigamente eram só de tecidos, viraram pontos para se trabalhar com box”, afirma sobre a presença árabe na região. De acordo com Mouzayek, chama a atenção a presença dos chineses e coreanos na 25 de Março e a diversificação de etnias atualmente não apenas na região, como em toda a cidade.  Entretanto, a cultura árabe está presente na 25 de Março e Mouzayek afirma manter contato com outros descendentes árabes.

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Mauricio Mouzayek, 39, administra hoje a loja em que seu tio e seu pai trabalharam, inaugurada nos anos 1960. Foto: Arthur Gandini

 

“Mudou muito, não é como era no tempo do meu pai. Hoje, a 25 é um shopping a céu aberto”, afirma o descendente de libanês Tony Jacob Mauad, 58, que, ao ser abordado pela reportagem, coincidentemente recebia visita de Mouzayek, que havia sido entrevistado no dia anterior.

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Tony Jacob, 58, é o dono do “Jacob Comida Árabe”, um dos seis restaurantes em São Paulo pertencentes à família. Foto: Arthur Gandini

 

Tony possui parte do nome do pai, que veio para o Brasil nos anos de 1950, por falta de empregos no Líbano, e que foi conhecido por ser dono do “Jacob na Vilinha”, antigo restaurante famoso na rua 25 de Março. Atualmente, a família possui seis restaurantes na cidade e o de Tony (“Jacob Comida Árabe”) fica na rua Brasilio Jafet. “Hoje a cultura árabe está bem divulgada no Brasil e a freguesia do restaurante é diversificada”, afirma ele, que diz que os chineses e os coreanos também “invadiram” a região.

No ramo de tecidos, Michel Samaha, 25 (foto principal), conta que seu pai Samaha Samaha veio ao Brasil aos 17 anos por conta da guerra civil no Líbano. Ele e outros três irmãos abriram duas lojas na 25 de março e duas na região do Brás. Atualmente, resta a Tecidos São Jorge – Irmãos Khatar, situada na rua 25 de Março e na qual Michel trabalha.

Contudo, muitas coisas mudaram como a alteração da modalidade de venda do atacado para o varejo. “A gente está se modernizando, está no e-commerce, tentando vender pelo site. Tem que se adaptar conforme o mundo vai avançando”, defende.

De acordo com ele, árabes têm abandonado negócios na região por conta da crise econômica e os pontos têm sido assumidos por chineses ou coreanos. Mas a presença árabe sempre continua. “O árabe tem tradição com os tecidos. Você fala em árabe, fala em tecelagem”, afirma Samaha, sobre o ramo de sua família.

 

Foto em destaque: Michel Samaha, 25, diz que chineses e coreanos têm tido presença no comércio da região e assumido os pontos comerciais de árabes. Foto: Arthur Gandini

 

Leia também: A 25 de março e a imigração árabe: histórias que se cruzam

http://www.icarabe.org/artigos/a-25-de-marco-e-a-imigracao-arabe-historias-que-se-cruzam