Edição traz texto de Roman Jakobson inédito em português
Trabalho “Acerca da poesia tcheca particularmente em relação com a russa”, um estudo de prosódia, foi base para teoria do arabista Federico Corriente em como as poesias produzida na Andaluzia medieval foram influenciadas pelo árabe de BagdáUm dos destaques da segunda edição da Revista Tiraz, a ser lançada na próxima quinta-feira (23), é a publicação do trabalho “Acerca da poesia tcheca particularmente em relação com a russa”, de Roman Jakobson. O texto, que tem sua versão original em russo, ganha sua primeira tradução integral para uma língua não eslava – tem uma tradução parcial para o francês. Roman Jakobson, que morreu em 1982, foi um dos maiores lingüistas do século XX e fez parte do círculo lingüístico de Praga (foi um de seus fundadores, em 1926). “Ele conhecia várias línguas, tinha uma visão bastante privilegiada e profunda das relações das literaturas, das bases da civilização. Tinha um olhar descentralizado, pegava a literatura como uma roda gigante que abarca várias coisas”, explica Michel Sleiman, diretor editorial da revista Tiraz e professor de Língua e Letras Árabes na USP. Quando a oportunidade em publicar o ensaio de Jakobson apareceu, não houve dúvida do diretor editorial. Em primeiro lugar, porque o estudo tem uma importância para o estudo literário em si, mais especificamente da prosódia, ainda que a argumentação do lingüista foque a relação entre o idioma russo e o tcheco. “Em um dos momentos da vida, ele trabalhou muito as questões da prosódia, ou seja, qual o ritmo da língua que acaba levando a um ritmo de poesia, como a gramática da poesia dialoga, interfere e é interferida pela gramática da língua”, explica Sleiman. O estudo nunca teve tradução direta e integral do russo porque, entre outras razões, é um texto difícil, apesar de ser de grande interesse para quem estuda literatura. “O estudo mostra como a língua tcheca e a russa, que têm diferenças de ritmo entre si, dialogam e adotam sistemas métricos semelhantes. Mostra como as línguas operam dentro de uma violência tolerada. Então o poeta submete a língua e forja-a para alcançar determinados objetivos estéticos”. Em segundo lugar - numa relação mais direta com a cultura árabe, tema principal da Tiraz - o texto de Jakobson serviu de base para que o arabista espanhol Federico Corriente entendesse as relações da poesia árabe do Oriente Medieval, mais especificamente Bagdá, e a poesia que se desenvolvia no ocidente, no Alandalus medieval, por exemplo. “Ele pegou, por exemplo, a poesia em dialeto árabe andaluz, mesmo a poesia escrita no árabe clássico, e acaba percebendo muitas vezes que há uma irregularidade na hora de medir a métrica. Ele vê também que a poesia em língua hebraica, assim como a poesia em persa e a poesia turca, que todos esses sistemas literários imitavam a métrica do árabe do Oriente, a métrica definida em Bagdá. O árabe clássico e a poesia desse sistema era baseada em sílabas longas e breves, mas os outros dialetos, o andalus, o hebraico, o turco e o persa não têm essa medida longa. Eles não conseguiam entender foneticamente o que é uma sílaba longa e interpretavam aquilo como uma sílaba tônica. Então todas as línguas, especialmente o hebraico na península ibérica, adotaram esse sistema árabe”, diz Sleiman. A teoria de Corriente, baseada no trabalho de Jakobson, mostrou que a poesia que se construiu na Andaluzia teve grande influência do idioma árabe de Bagdá, e não que tenha se criado a partir de idiomas locais, como alguns acreditavam. Sleiman explica que, “com base nesses textos, ele elabora como foi feita essa adaptação métrica no Alandalus. Os europeus achavam que a poesia escrita no Alandalus não era uma adaptação do Oriente, mas uma adaptação de uma poesia autóctone que existia na península ibérica, em um espanhol antigo, em um português medieval antigo. Corriente vai dizer: ‘isso não faz sentido’. O que faz sentido é que no Alandalus existia uma cultura de efeito dominante, que era a literatura oriental, e essa literatura e essa cultura oriental foi imitada por árabes, por judeus, e depois por outras partes, como por persas e turcos. E todos eles tentaram imitar esse padrão que era tido como a grande literatura, assim como imitamos os românticos, os realistas, as vanguardas européias, as vanguardas sul-americanas. Era uma referência”. O próprio Federico Corriente foi um dos tradutores do texto de Jakobson. Além do arabista espanhol, uma equipe de sete pessoas ajudou na tradução do artigo, desde eslavistas da Espanha, Cracóvia e Saragoça, até Alexander Janovitch, da Educação da USP. A equipe se justifica, pois os poemas analisados por Jakobson só se encontram no original, ou seja, em dialetos medievais, de difícil tradução. Todo o processo de tradução durou nove meses.